O desembargador Luiz Fernando Lima, aposentado compulsoriamente pelo Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), ainda é alvo de uma investigação no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Em março, o CNJ abriu um processo administrativo disciplinar (PAD) para apurar as circunstâncias da sentença em que o magistrado concedeu prisão domiciliar a um homem apontado como chefe do tráfico de drogas.
Desde outubro do ano passado, ele estava afastado das atividades. Contudo, o PAD não é mencionado na decisão assinada em 22 de novembro, pelo desembargador João Bôsco de Oliveira Seixas, presidente em exercício do TJ-BA, e publicada no Diário Oficial da Justiça no último dia 25.
O decreto destaca apenas a idade — Lima completou 75 anos, idade máxima para que juízes permaneçam em atividade, o que justificou a aposentadoria de modo compulsório. Apesar disso, o CNJ mantém a apuração contra Lima em curso.
A concessão da prisão domiciliar ao suspeito, em outubro de 2023, gerou grande repercussão por causa do histórico criminal do homem, que logo fugiu, e pelas condições em que o habeas corpus foi julgado — em meio a um plantão judiciário e em caráter de urgência.
Para o Conselho, "as condutas em apuração denotam indícios gravíssimos de comprometimento da imparcialidade, da transparência e dos deveres de prudência e cautela do magistrado". O desembargador nega que tenha obtido qualquer proveito com a medida. Entenda abaixo o que se sabe e o que falta esclarecer sobre o caso.
1 - Quem foi o homem beneficiado pela decisão do desembargador?
O suspeito é Ednaldo Freire Ferreira, de 43 anos. Conhecido como "Dadá", o homem tem extensa ficha criminal e acumula registro de prisões desde 2008. Entre os delitos pelos quais ele é investigado estão homicídio, tráfico de drogas, de armas de fogo, organização criminosa e lavagem de dinheiro.
Dadá foi capturado pela última vez em 5 de setembro do ano passado, no âmbito da operação "Tarja Preta", deflagrada pela Polícia Federal. O suspeito dirigia um carro de luxo, quando foi parado em uma fiscalização da Polícia Rodoviária Federal (PRF).
Em nota divulgada à época, a PRF disse que ele apresentou uma carteira de habilitação em nome de outra pessoa para tentar enganar os agentes. No entanto, o suspeito foi identificado como foragido da Justiça baiana. Investigado por comandar crimes na Bahia, ele ficou isolado em um presídio de segurança máxima, em Pernambuco.
2 - Quando e por que o desembargador concedeu prisão domiciliar ao suspeito?
A sentença em questão foi proferida em 1º de outubro de 2013, um domingo, durante um plantão judiciário. Na época, o magistrado acatou o pedido de habeas corpus apresentado pela defesa de Ednaldo, que argumentava que ele precisava estar em casa, pois tinha um filho com autismo severo, completamente dependente da figura paterna.
Os advogados ainda argumentaram que a criança não se alimentava e apresentava dificuldade para dormir sem o pai. Também a pedido da defesa, o caso foi analisado com urgência, sob a justificativa de que naquele dia o menino teria sofrido uma nova crise convulsiva e estava emocionalmente abalado, pela ausência do pai.
Assim, o habeas corpus foi concedido antes mesmo que o Ministério Público da Bahia (MP-BA) se manifestasse — o órgão se pronunciou contra a prisão domiciliar. Além disso, a decisão foi publicada sem assinatura do magistrado.
3 - Qual foi a repercussão judicial do habeas corpus?
O MP-BA pediu a revogação do habeas corpus, pontuando que o suspeito não era o único responsável pelos cuidados especiais do filho, nem havia comprovação de que ele fosse fundamental para o desenvolvimento do menor.
A Justiça baiana, então, voltou a julgar o caso e acolheu os argumentos da Promotoria.Em nova decisão, assinada em 3 de outubro, o desembargador Júlio César Lemos Travessa afirmou que o plantão judiciário não tem competência para atuar no processo e determinou a expedição de novo mandado de prisão. Mas nada disso adiantou.
Ednaldo fugiu e, até esta quinta-feira (05), cerca de um ano e dois meses após deixar o presídio de segurança máxima onde cumpria pena em Pernambuco, ele não foi recapturado.
4 - Quais medidas foram adotadas pelo CNJ?
Em 16 de outubro de 2023, o CNJ abriu uma reclamação disciplinar para apurar a decisão do desembargador Luiz Fernando Lima. Depois, em decisão publicada no dia 17 daquele mês, o Conselho decidiu afastar o desembargador.
Inicialmente responsável pelo processo no CNJ, o ministro-corregedor Luís Felipe Salomão destacou a contradição na postura do magistrado. Isso porque, apenas um mês antes, Lima havia analisado um processo semelhante e decidido que o caso não deveria ser julgado no plantão judiciário. Já em 15 de março deste ano, o CNJ abriu um processo disciplinar administrativo (PAD) contra o desembargador e decidiu pela manutenção do afastamento.
Atual relator do caso, o conselheiro Guilherme Feliciano voltou a analisar o processo em 17 de setembro, quando pontuou que "as condutas em apuração denotam indícios gravíssimos de comprometimento da imparcialidade, da transparência e dos deveres de prudência e cautela do magistrado, bem como de comportamento incompátível com o exercício da magistratura". Nessa decisão, o conselheiro indeferiu o pedido feito pela defesa de Lima, que requeria a suspensão da ordem de afastamento.
Antes disso, na sessão virtual realizada em 16 de agosto, o plenário do CNJ já havia prorrogado o prazo de instrução do processo, contado a partir de 3 de agosto, e, mais uma vez, manteve Lima afastado das atividades no TJ-BA.
5 - O que diz a defesa do magistrado?
A defesa do desembargador se manifestou contra a medida e disse que:
Os motivos do afastamento (e da pretensão de punir o desembargador) serão demonstrados como inexistentes na forma e momento adequados.
Ele reitera sua inocência e agora tem a oportunidade de provar o que alega desde o início: que nada de errado ou ilícito foi por ele cometido, relatou o advogado Fábio Periandro de Almeida Hirsch, à época da decisão.
Em 28 de agosto, no PAD em trâmite no CNJ, o desembargador ressaltou ainda "inexistir dolo, proveito de qualquer espécie ou mesmo lesão à ordem jurídica" com a concessão de prisão domiciliar ao suspeito.
A produção não conseguiu novo contato com a defesa do magistrado até a última atualização da reportagem.
Fonte: G1 / Foto: Reprodução
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