A eleição de 2020 foi uma lição para os Estados Unidos. Após o conturbado pleito, o Congresso revisou regras e procedimentos para dificultar uma nova tentativa de golpe. Para analistas, a democracia americana está mais bem preparada para lidar com ameaças -assim como o republicano, porém, está mais pronto para colocá-la à prova.

Há quatro anos, Trump antecipou-se aos resultados para se declarar vencedor. Funcionários de seções eleitorais em diversos estados negaram-se a certificar a contagem de votos, um procedimento até então meramente burocrático, sob a justificativa sem provas de que havia fraude.

Confirmada a derrota 87 horas após o fechamento das urnas na Pensilvânia, recontagens foram feitas na Geórgia (duas vezes) e em Wisconsin (uma vez). Trump tentou, então, argumentar que os Legislativos estaduais poderiam selecionar uma chapa alternativa de delegados para votar no Colégio Eleitoral, desvinculados da obrigação de escolher o candidato mais votado.

Diante da recusa dos estados, a campanha do empresário recrutou ela própria delegados falsos. Como não tinham aval de nenhuma autoridade, o então vice-presidente, Mike Pence, os rejeitou, para contrariedade de Trump. O passo final foi a invasão do Capitólio, para impedir a confirmação da vitória de Joe Biden, em 6 de janeiro de 2021.

O trauma levou o Congresso a aprovar, em 2022, uma reforma da Lei de Contagem Eleitoral, promulgada em 1887, para deixar claro que o resultado das urnas em cada estado precisa ser certificado por todas as esferas, de funcionários das seções ao Legislativo federal. A mudança também facilita o acionamento da Justiça e cria caminhos mais rápidos para resolver disputas, além de enfatizar que o papel do vice-presidente é meramente cerimonial.

O primeiro teste desse novo sistema começa em 5 de novembro, mas não acaba aí. Outras datas-chave são 11 de dezembro, prazo máximo para cada estado certificar seu placar; 17 de dezembro, quando os delegados se reúnem para votar no Colégio Eleitoral; 6 de janeiro, quando o Congresso confirma o resultado do pleito; e, finalmente, 20 de janeiro -a posse do novo presidente.

Caso Trump seja derrotado, mas se negue a reconhecer o resultado, a turbulência pode se arrastar por esses quase três meses.

"O cenário que mais temo é aquele em que Kamala ganhe por margem pequena, e você tem uma contestação em massa e casos de violência nos estados trumpistas. Em vez de ter um 6 de Janeiro concentrado em Washington, haveria vários espalhados pela Federação, com extrema violência política", afirma Bruna Santos, diretora do Brazil Institute do Wilson Center, think tank apartidário instituído pelo Congresso americano.

Procurada pela Folha de S.Paulo, a diretora da campanha de Kamala, Jen O'Malley Dillon, diz que Trump e seus aliados têm semeado desconfiança nos últimos quatro anos para minar a democracia e alegar fraude em caso de derrota. "Mas, também há quatro anos, os democratas vêm se preparando para este momento, e estamos prontos para qualquer coisa", declara. "A equipe Harris-Walz entra na reta final desta campanha com uma operação robusta de proteção ao voto e à eleição, e com os melhores advogados do país, prontos para qualquer desafio que os republicanos nos lançarem."

A campanha de Trump não respondeu ao contato da reportagem.

A seguir, os principais desafios na eleição americana, segundo analistas e o site Politico.

5 DE NOVEMBRO

Funcionários eleitorais se negam a certificar a contagem de votos Independentemente do que as urnas estiverem apontando, é esperado que Trump se declare vencedor no dia da eleição. E, mesmo com a mudança na lei, funcionários eleitorais em alguns condados devem se negar a certificar o resultado com base em denúncias ou suspeitas de fraude.

Segundo relatório do Citizens for Responsibility and Ethics, há 35 pessoas com histórico de se negar a cumprir a tarefa atuando em oito estados, entre eles os cruciais Arizona, Geórgia, Nevada, Carolina do Norte, Pensilvânia e Michigan. Outras dezenas foram listadas por outras organizações como adeptos de teorias da conspiração e da mentira de que Biden perdeu em 2020.

Uma mudança na lei eleitoral, em 2022, obriga todas as instâncias a certificar o resultado das urnas em cada estado.

Eleitores questionam o direito ao voto uns dos outros Funcionários, observadores ou até mesmo eleitores, a depender do estado, podem questionar o direito ao voto de pessoas em sua seção -afirmando, por exemplo, que um indivíduo não é cidadão americano. Nos últimos meses, Trump e aliados, como o bilionário Elon Musk, têm dito, sem provas, que democratas deixaram milhões de imigrantes entrarem no país para obter seus votos ilegalmente.

Nos últimos anos, diversas organizações de autointitulados ativistas pela integridade eleitoral surgiram nos EUA, como o Election Integrity Network, comandado por Cleta Mitchell, uma das advogadas de Trump em 2020 na conturbada eleição da Geórgia.

Essas redes articulam e ensinam pessoas comuns como questionar eleitores em seus estados. Na semana passada, a rede CBS obteve um vídeo em que um organizador na Carolina do Norte orienta um grupo a desconfiar de pessoas com "sobrenomes que soem latino" e que tenham se registrado como eleitores nos últimos 90 dias.

Outro exemplo é Elon Musk. Na última semana, o bilionário lançou no X uma "Comunidade de Integridade Eleitoral", cujo objetivo é reunir supostas denúncias de irregularidades.

Cada condado terá de resolver eventuais pendências, conferindo documentos, mas é possível que alguns casos sejam levados à Justiça.

ATÉ 11 DE DEZEMBRO

Batalhas legais sobre quais votos serão contados Tanto a campanha de Trump quanto a de Kamala investiram em equipes de advogados nos principais estados em disputa para litigar contra ou a favor da contagem de certos votos. Neste ano, especialmente, republicanos têm explorado a entrada recorde de imigrantes sob o governo Biden para afirmar, sem provas, que estrangeiros estariam votando ilegalmente.

O complexo sistema eleitoral, com regras que variam de estado a estado, abre brechas para outros questionamentos. Na Pensilvânia, por exemplo, republicanos entraram com ação para impedir que eleitores cujos votos por correio tenham sido rejeitados por algum erro possam votar provisoriamente no dia da eleição.

Na quarta (23), a Suprema Corte do estado rejeitou o argumento, mas há dúvidas se a decisão valeria apenas para o condado que deu origem à ação ou se a todo o território.

Recontagem Muitos estados dos EUA preveem a possibilidade de recontagem dos votos. O mecanismo pode ser disparado automaticamente, quando a diferença entre o primeiro e segundo colocado é muito pequena, ou a pedido das campanhas.

Na Pensilvânia, a recontagem é obrigatória se há uma diferença inferior a 0,5% dos votos; no Arizona, se é menor ou igual a esse percentual, e no Michigan, se é menor ou igual a 2.000 votos. Os demais permitem a recontagem a pedido de um candidato.

O principal problema dessa etapa é o atraso na oficialização dos resultados. O calendário eleitoral obriga todos os estados a certificarem os resultados até 11 de dezembro. O desrespeito ao prazo pode colocar em dúvida toda a eleição.

ATÉ 17 DE DEZEMBRO

Delegados alternativos Embora a mudança da legislação em 2022 tenha deixado claro que os delegados devem votar no candidato vencedor em seu estado, ainda se teme que Legislativos estaduais dominados por republicanos enviem uma chapa alternativa à oficial, chancelada pelo governador.

O partido do ex-presidente domina as duas Casas no Arizona, na Geórgia, na Carolina do Norte e em Wisconsin. A Pensilvânia vai eleger uma nova composição, que tomará posse no dia 1º de dezembro.

Argumentando supostas fraudes e irregularidades no dia da eleição e nos seguintes, as assembleias poderiam selecionar seus próprios delegados. Na semana passada, o presidente da conservadora bancada da liberdade, por exemplo, disse que a Carolina do Norte deveria já dar seus 16 delegados a Trump, antes mesmo da votação, em razão do impacto do furacão Helene nas áreas mais republicanas do estado, segundo o Politico.

Votação do Colégio Eleitoral No dia 17 de dezembro, os delegados designados em cada estado -democratas, se a eleita for Kamala, ou republicanos, se for Trump- se reunirão em suas respectivas capitais para oficializar seu voto.

O momento pode ser tumultuado se houver chapas alternativas de delegados ou delegados falsos, como ocorreu em 2020. Outro temor é que apoiadores do ex-presidente pratiquem atos de violência na data.

6 DE JANEIRO

Confirmação do vencedor pelo Congresso Embora a capital americana esteja se preparando para evitar que um novo episódio como a invasão ao Capitólio de 2021 se repita, o temor de uma nova mobilização por grupos extremistas permanece.

Mas o perigo maior, desta vez, está dentro do Congresso, opinam especialistas. Há quatro anos, muitos colegas de partido de Trump no Legislativo se negaram a ceder à pressão para rejeitar a confirmação da vitória de Joe Biden. Desta vez, há mais dúvidas se fariam o mesmo.

A composição que decidirá isso será eleita em 5 de novembro; por isso, não é possível saber ainda qual partido será maioria. O que as pesquisas apontam, por ora, é que republicanos provavelmente conseguirão retomar o controle do Senado e manter o da Câmara.

Se o atual presidente da Casa, o deputado Mike Johnson, se mantiver na posição, será um cenário muito melhor para Trump do que o de 2021, quando a democrata Nancy Pelosi ocupava o cargo. Johnson está entre os republicanos que ecoaram as acusações sem provas de fraude feitas por Trump à época e defenderam reverter sua derrota.

Fonte: Bahia Notícias

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