Fazia um mês que eles não se falavam. Nesse período, Joe Biden se distanciou do governo de Benjamin Netanyahu, por causa do abismo entre ambos com relação à campanha de Israel na Faixa de Gaza.
Na conversa de segunda-feira (18), o presidente dos Estados Unidos teria arrancado do primeiro-ministro israelense o compromisso de enviar representantes a Washington para ouvir táticas alternativas para derrotar o Hamas. Essa, pelo menos, é a versão da Casa Branca.
De acordo com o conselheiro de Segurança Nacional dos EUA, Jake Sullivan, autoridades militares, de inteligência e de assistência humanitárias de Israel devem ir à capital americana entre o fim desta semana e o início da semana que vem.
A expectativa do governo americano é que as Forças de Defesa de Israel não lancem a ofensiva terrestre contra Rafah, no sul da Faixa de Gaza, antes de ouvir as propostas americanas.
Segundo o conselheiro, Biden disse a Netanyahu que continua desejando a derrota do Hamas, mas que o governo israelense “precisa de uma estratégia que funcione e que não envolva uma grande operação militar que coloque milhares de vidas de civis inocentes em risco em Rafah”.
O presidente americano teria acrescentado: Há uma forma melhor. Envie sua equipe a Washington, e vamos conversar sobre isso. Vamos lhe apresentar o que acreditamos ser uma melhor forma.
Jornalistas perguntaram a Sullivan o que os americanos teriam a explicar para os israelenses que não puderam explicar nos contatos anteriores.
O conselheiro respondeu que será a primeira vez que os dois lados terão a oportunidade de uma discussão completa, abrangente, integrada e estratégica sobre derrotar o Hamas e assegurar a proteção dos civis.
De fato, os bombardeios arrasadores, com enormes cargas explosivas, que Israel conduz há mais de cinco meses na Faixa de Gaza, não são a única opção militar para atingir o objetivo de neutralizar o Hamas.
Esses ataques têm tido um impacto quase exclusivo sobre a população civil, usada como escudo humano pelo Hamas, cujos combatentes se escondem nos túneis subterrâneos.
O Hamas não tem histórico de mudar seus objetivos diante dessas punições coletivas que Israel tem imposto à população palestina sempre que o país é provocado pelo grupo terrorista. Ao contrário. O Hamas se alimenta do ódio que essas punições, que configuram crime de guerra por parte de Israel, causam nos palestinos.
O bloqueio à entrada de ajuda humanitária para a população — outro crime de guerra — também não tem tido o efeito de enfraquecer o Hamas, que havia armazenado suprimentos para a guerra prolongada que os ataques terroristas de 7 de outubro previsivelmente desencadeariam.
Os EUA fornecem a Israel armas e informações que lhe permitiriam lançar ataques cirúrgicos, muito mais eficazes para cumprir os dois objetivos declarados de Netanyahu – e indicados pelo bom senso – nessa guerra: trazer de volta os cerca de 130 reféns e neutralizar militarmente o Hamas.
Em agosto de 2022, dois mísseis Hellfire disparados por um drone mataram o então líder da Al-Qaeda, Zayman al-Zawahiri, quando ele apareceu na sacada de seu sobrado em Cabul, à luz do dia. O centro da capital afegã estava como sempre abarrotada de gente, mas ninguém mais foi atingido. Israel tem esses mísseis americanos.
O próprio assassinato de Osama bin Laden, que Al-Zawahiri sucedeu, em maio de 2011, em Abbottabad, no Paquistão, foi resultado de um paciente trabalho de inteligência, que culminou em uma ação cirúrgica de forças especiais.
Os EUA têm realizado ações assim contra líderes do Estado Islâmico, com enorme êxito. Israel demonstrou no passado a mesma capacidade, contra comandantes do Hamas e do Hezbollah.
A escolha de uma punição coletiva e visível atende ao desejo de vingança da população israelense e de respaldo político de Netanyahu.
Antes da crise, o primeiro-ministro enfrentava fortes protestos por causa de sua tentativa de retirar a autonomia da Justiça, livrando-se assim de processos contra ele e outros membros de seu gabinete.
A facilidade com que os terroristas invadiram Israel e causaram atrocidades ao longo de muitas horas sem serem confrontados pelas forças de segurança representa uma falha grave o suficiente para derrubar o governo.
A última pesquisa do Canal 12 de Israel, divulgada no dia 12 de fevereiro, indica que, se houvesse eleições, a oposição obteria 75 das 120 cadeiras da Knesset, o Parlamento israelense. O bloco de Netanyahu ficaria com apenas 45. O resultado é consistente com os de pesquisas anteriores.
Diante de tudo isso, Netanyahu tem interesse em prolongar a guerra com o Hamas, porque é improvável a convocação de eleições enquanto ela estiver em curso. Por outro lado, seu capital político só tende a se esgarçar com a prolongação do tormento dos reféns e de suas famílias.
Novas negociações com o Hamas estão em andamento no Catar. O grupo terrorista exige cessar-fogo e retirada dos militares israelenses da Faixa de Gaza, ainda que em etapas.
Um dos líderes da oposição é o general Benny Gantz, recebido em Washington no dia 5 de março pelos secretários de Estado dos EUA, Antony Blinken, e de Defesa, Lloyd Austin.
Gantz é membro do gabinete de guerra, mas Netanyahu desautorizou a visita, ordenando que o embaixador de Israel em Washington, Michael Herzog, não acompanhasse o general.
Ali certamente Gantz teve acesso às ideias dos americanos sobre o que fazer na Faixa de Gaza, e contribuiu para aprimorar os planos.
No dia 14 de março, o líder democrata no Senado, Chuck Schumer, que é judeu, defendeu a saída da coalizão liderada por Netanyahu, por considerar que suas escolhas conduzem Israel à condição de Estado-pária.
A imprensa americana informou que o longo discurso, feito no plenário do Senado, havia sido aprovado pela Casa Branca.
No dia seguinte, Biden afirmou: Foi um bom discurso, e acho que ele expressou uma séria preocupação compartilhada não só por ele, mas por muitos americanos.
Os Estados Unidos enviam US$ 3,8 bilhões de ajuda militar por ano para Israel, e ainda lhe dão cobertura no Conselho de Segurança da ONU, no qual vetaram três resoluções exigindo um cessar-fogo na Faixa de Gaza.
A situação política, militar e humanitária é extraordinariamente complexa. E tudo pode mudar com uma eventual eleição, em 5 de novembro, de Donald Trump, que em seu governo brindou Israel com apoio incondicional.
Mais um incentivo para Netanyahu acreditar que o tempo corre a seu favor e não alterar a estratégia por ele desenhada.
Fonte: CNN
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