Investidores da XP Investimentos acionaram a Justiça acusando a maior corretora do país de promover práticas abusivas que levaram a prejuízos milionários em aplicações financeiras, ao esvaziamento de seus patrimônios e até a dívidas enormes com a própria empresa.

Entre 10 relatos contra a XP apurados pelo Metrópoles, há um caso no qual o cliente afirma que somente as taxas de corretagem cobradas sobre as operações desvantajosas ultrapassaram o seu patrimônio, de R$ 20 milhões. Nos processos, eles dizem que os investimentos eram vendidos com garantia de proteção para evitar perdas.

Fundada em 1997 pelo economista Guilherme Benchimol, a XP Investimentos encerrou 2023 com R$ 1,1 trilhão sob sua custódia e 4,5 milhões de clientes, alta de 19% em relação ao ano anterior. Nos últimos tempos, a corretora adquiriu mais de uma dezena de outras empresas do mesmo ramo e distribuiu R$ 400 milhões em dividendos a acionistas no fim do ano passado.

Ações recentes movidas na Justiça, no entanto, mostram que clientes graúdos se dizem ludibriados pela empresa. Eles afirmam que corretores passam informações erradas ou incompletas sobre os investimentos, prometem lucros exorbitantes e incentivam aportes em papéis pouco vantajosos, mas que rendem maiores pagamentos em taxas de corretagem.

Além disso, eles acusam assessores de terem feito operações milionárias sem suas autorizações, o que teria aumentado os prejuízos e, também, as comissões recebidas pelos agentes.

Os processos movidos na Justiça são abastecidos com trocas de mensagens entre assessores e clientes da XP. Elas mostram que agentes vinculados à corretora vendem produtos de alto risco com a garantia de “blindagem” contra perdas, o que acaba não acontecendo. Também orientam investidores conservadores a mudarem seus perfis para se aventurar em ações complexas e voláteis.

COEs e alavancagem

Os principais relatos feitos nos processos dizem respeito a investimentos em Certificados de Operações Estruturadas (COEs) e em operações alavancadas com empréstimos feitas pela corretora.

O COE é baseado em uma gama de investimentos de renda fixa e variável e tem sido vendido como um papel com potencial de lucro acima da média, com garantia do valor principal investido em caso de baixa.

Já a operação alavancada consiste em uma espécie de empréstimo dado pela corretora para que o cliente possa investir valores mais altos do que possui e, consequentemente, potencializar seu retorno financeiro.

No caso dos COEs, clientes têm relatado que a propaganda de seus rendimentos é enganosa, e que a promessa de retorno de, no mínimo, o investimento inicial, muitas vezes não se cumpre e resulta em perdas milionárias.

Os maiores prejuízos, contudo, acontecem nas operações alavancadas. Clientes dizem que assessores estão turbinando esse tipo de investimento em suas carteiras, muitas vezes em movimentos não autorizados ou mal explicados, para aumentar as taxas pagas à corretora. Quanto maior o alavancamento, maior é a taxa de corretagem.

Todo patrimônio em comissões

O músico Célio de Carvalho afirma em seu processo na Justiça que, seguindo orientações da XP, foi “conduzido a oferecer” todo o seu patrimônio em garantia de operações no mercado financeiro. Ele disse que o valor das operações alavancadas feitas pelo assessor de investimentos chegou a R$ 1,1 bilhão, o equivalente a 56 vezes o seu patrimônio, que gira em torno de R$ 20 milhões.

Ele afirma ter sofrido prejuízos milionários e que somente o valor das comissões ultrapassa o de seu patrimônio. Carvalho moveu ação judicial para obrigar a XP a abrir detalhes de seus negócios com a corretora. O processo costuma anteceder uma ação de cobrança de danos morais e materiais na Justiça.

Perda de R$ 18 milhões

“A sensação que tive é de que me trataram como um criminoso”, disse o empresário Marcos Varotti em um e-mail para líderes da XP quando havia perdido R$ 18 milhões com a corretora. Ele havia investido R$ 8,5 milhões.

O e-mail foi o estopim para o rompimento da relação com a corretora e o anúncio de que ele moveria ações e procuraria responsabilizá-los também em órgãos reguladores. No e-mail, o empresário relata que foi “tratado com descaso” e teve sua conta bloqueada.

“Não bastasse a XP ter me tirado mais de R$ 18.000.000,00 com cobranças totalmente absurdas e incorretas, eu ainda fui pisoteado pela XP e por seus assessores de investimento, que ignoraram minhas reclamações e não deram ouvidos a nenhuma de minhas afirmações”, disse o empresário, em outro e-mail, desta vez, com cópia para o fundador da XP, o economista Guilherme Benchimol.

À cúpula da XP Varotti ainda afirmou “não reconhecer” empréstimos feitos pela corretora. Ele moveu uma ação pela exibição de provas contra a XP em dezembro de 2023. Nela, seus advogados requereram à Justiça que a corretora envie todos os detalhes de operações, comunicações com seus agentes, gravações de diálogos, além de documentos sobre tomada de crédito com a operadora.

“Não vai afetar em nada”

O professor de cursinhos Márcio Teixeira Damasceno afirma à Justiça que tinha um histórico “altamente conservador”, mas foi levado por um corretor da Avel, uma corretora credenciada da XP, a investir R$ 1 milhão em COEs.

Em um áudio anexado ao processo, o corretor diz que o investimento tinha longo histórico de lucros e chegava a dar de 14% a 16% de retorno além da inflação. Também disse que não há perda com o COE, mesmo que o investimento que desse lastro a ele não tivesse alto.

“É um COE voltado para o multimercado + IPCA. Então, se um fundo multimercado não performar e ficar em zero, porque a gente não perde dinheiro, a vantagem é que a gente sempre ganha o IPCA. Mesmo que dê tudo errado, pelo menos sempre tem o IPCA”, disse o corretor ao professor.

O resultado provou o contrário. Além de investir R$ 300 mil em COEs, Damasceno aceitou a sugestão do corretor para usar mais R$ 700 mil de empréstimo em alavancagem. As taxas e encargos do empréstimo superaram o rendimento do COE, e os R$ 300 mil viraram R$ 150 mil, fora o crédito concedido pela XP para a operação.

“Foi um capital que, em vez de render, me deu prejuízo de 70%. São coisas que eles empurram de má-fé para quem está entrando no mercado. No meu caso foi pior, porque eu ainda fiquei com a dívida na mão. Fazem o papel de que estão olhando para o seu patrimônio quando estão, na verdade, única e exclusivamente, olhando para o próprio patrimônio”, diz Damasceno.

Como tinha perfil conservador, para investir em COE, ele afirma ter sido orientado a mudar para um perfil mais arrojado no aplicativo da corretora. Assim, poderia ter acesso a investimentos mais arriscados, com menos barreiras para efetuar as operações de alto risco.

Em áudio anexo ao processo, o assessor diz a Damasceno para mostrar no app da corretora que tem, de fato, um perfil agressivo e, como prova disso, declarar em um formulário que já aportou dinheiro em fundos nos quais ainda não tinha investido e que estavam sendo oferecidos pela XP.

“Naquela parte onde você diz no que já investiu, de valores, você pode colocar nosso plano: investi x % em renda fixa, tantos % em internacional, tanto em renda variável, porque ali ele já vai considerar o nosso perfil agressivo – arrojado, como a gente chama”, disse.

“Caaaalma, Doutor!”

Já o empresário Marcio Nigro relata ter investido R$ 10 milhões e perdido metade do valor com a XP. Somente as taxas de corretagem da operação que levou ao prejuízo chegam a R$ 2,1 milhões. Ele afirma à Justiça que assessores fizeram operações alavancadas de R$ 360 milhões em seu nome.

O Metrópoles apurou que ele denunciou o caso à Polícia Federal (PF) por entender que é vítima de crimes financeiros. O empresário diz ter sido induzido a erro pelos corretores para que lucrassem sobre seu patrimônio, prática de fraude conhecida como “churning” — agitando, na tradução literal.

Em uma troca de mensagens com o assessor responsável, ele indaga: “Você não me falou que a gente estava blindado e que se caísse a gente não sentiria o impacto?”.

Mensagens anexadas ao processo mostram, em meio à queda livre das ações com alavancagem, o assessor dizendo que havia conseguido “blindar” o patrimônio de Nigro das oscilações de mercado. “Caaaalma, doutor!!! Pensemos %. Seguimos na volatilidade, mas está positivo”, disse o assessor ao cliente, em uma das mensagens. Somente após perceber que a perda havia atingido um patamar milionário, o assessor sugeriu pôr o dinheiro em uma renda fixa para tentar recuperá-lo aos poucos.

Mudança de perfil

Em outro caso, o estatístico Marcelo Alves entrou com R$ 1,2 milhão, tirou R$ 500 mil em meio ao investimento e perdeu todo o resto do dinheiro. Ele diz que se declarou como conservador, mas foi orientado a mudar o perfil para poder investir em operações arriscadas.

Tudo está registrado em mensagens. “Faz para ser agressivo. Coloca que você não tem prazo para sair, que entende de oscilação de mercado, que sempre pega orientação e que já aplicou em tudo (coloca qq valor)”, diz o assessor em uma das mensagens. A taxa de corretagem ficou em R$ 42 mil.

Há ainda processos em que R$ 200 mil em investimentos viraram a mesma quantia em dívidas, um outro em que uma aposentada de perfil conservador foi aconselhada a investir em COEs com a contração de empréstimos da própria XP, ficou assustada com o valor das taxas e tem cobrado na Justiça a retirada do investimento.

XP diz que “preza pela transparência”

Procurada pelo Metrópoles, a XP Investimentos afirmou, por meio de nota, que “segue rigorosamente a regulação e preza pela absoluta transparência nas condições e prazos dos seus produtos de investimentos”.

“Por isso, está alinhada aos mais altos padrões de compliance e de aplicação de suitability. A empresa não comenta casos específicos que tramitam na Justiça”, diz a XP.

Os advogados Marcos Vinicius Cardoso e Patricia Zaniboni, que defendem Marcio Nigro e Marcelo Alves, afirmam que “as corretoras tratam seus clientes apenas como fonte de lucro”.

“Nos processos, nos deparamos com defesas truculentas, agressivas, onde o investidor é tratado como oportunista. A briga é grande, mas estamos aqui sempre com a verdade e lutando pelos nossos clientes”, dizem.

O advogado Adilson Bolico, que defende Márcio Damasceno e Célio de Carvalho, afirma que a comercialização de COEs e de operações de alavancagem “são dois dos principais problemas” no mercado financeiro. “Os COEs se tornaram uma grande aposta. A ocultação de informações na comercialização e na oferta leva investidores a aderirem a situações contrárias a seus perfis e terem muitas perdas”, diz.

“As operações alavancadas são determinadas para investidores com maior capacidade, qualificação e entendimento de riscos. Mas, mesmo para eles, a correta prestação de serviços e transparência da corretora é o diferencial para o ganho e a perda. Se a operadora falha ou oculta por falha própria ou por decisão deliberada, ela prejudica demasiadamente o investidor de forma muitas vezes irreversível”, completa.

Fonte: Metrópoles

Receba notícias do Jacobina Notícias pelo nosso Instagram e fique por dentro de tudo! Também basta acessar o canal no Whatsapp e no Google Notícias.

Comentários

Postagem Anterior Próxima Postagem