O deputado federal André Janones cobrou que assessores da Câmara lotados em seu gabinete usassem parte dos salários para pagar suas despesas pessoais. Conhecida como rachadinha, a prática configura enriquecimento ilícito, dano ao patrimônio público e é passível de inelegibilidade segundo entendimento do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Sem saber que estava sendo gravado, Janones não fez cerimônia ao dizer como pretendia gastar a grana oriunda da remuneração de servidores públicos: “Casa, carro, poupança e previdência”, revelou, em áudio obtido pela coluna. O deputado recebeu 238 mil votos e foi o segundo parlamentar mais votado de Minas Gerais em 2022.

Ouça:

A reunião com assessores ocorreu na própria Câmara dos Deputados, na sala de reuniões do Avante, partido de Janones. Antes de pedir os salários de sua equipe, o deputado tentou sensibilizar os servidores.

“Algumas pessoas aqui, que eu ainda vou conversar em particular depois, vão receber um pouco de salário a mais. E elas vão me ajudar a pagar as contas do que ficou da minha campanha de prefeito.

Porque eu perdi R$ 675 mil na campanha. ‘Ah isso é devolver salário e você tá chamando de outro nome’. Não é. Porque eu devolver salário, você manda na minha conta e eu faço o que eu quiser”, tentou convencer Janones.

O deputado continuou: “O meu patrimônio foi todo dilapidado. Eu perdi uma casa de R$ 380 mil, um carro, uma poupança de R$ 200 mil e uma previdência de R$ 70 (mil). Eu acho justo que essas pessoas também participem comigo da reconstrução disso. Então, não considero isso uma corrupção”, afirmou.

Em seguida, Janones alegou que não seria justo assessores permanecerem com 100% de seus salários: “Por exemplo, o Mário vai ganhar R$ 10 mil [por mês]. Eu vou ganhar R$ 25 mil líquido. Só que o Mário, os R$ 10 mil é dele líquido. E eu, dos R$ 25 mil, R$ 15 mil eu vou usar para as dívidas que ficou [sic] de 2016. Não é justo, entendeu?”.

Em 2016, Janones foi candidato a prefeito da cidade mineira de Ituiutaba e ficou em segundo lugar, com 13 mil votos.

Ao mesmo tempo que tentava dar ares de legalidade à rachadinha, Janones demonstrou saber que a revelação da prática poderia pôr em risco o seu mandato como deputado federal. Em sua fala, o parlamentar buscou passar a impressão de que pouco se importaria caso fosse denunciado.

“E se eu tiver que ser colocado contra a parede, eu não tô fazendo nenhuma questão desse mandato. Para mim, renunciar hoje seria uma coisa tão natural. Se amanhã vier uma decisão da Justiça: ‘o André perdeu o mandato’, você sabe o que é eu não me entristecer um milímetro?”, disse, numa tentativa de desmobilizar qualquer tentativa de a equipe de denunciar.

O áudio foi gravado pelo jornalista Cefas Luiz, ex-assessor de Janones, em fevereiro de 2019, após o parlamentar se eleger pela primeira vez. Ele afirma que levará a gravação à Polícia Federal juntamente com outras provas de supostas irregularidades que teriam ocorrido no gabinete do deputado.

“Sei de muita coisa que acontecia por lá”, diz Cefas Luiz.

Em 2021, o TSE decidiu que a prática de rachadinha configura enriquecimento ilícito e dano ao patrimônio. Na ocasião, a Corte cassou, por unanimidade, o registro de candidatura de uma postulante a vereadora em São Paulo e a declarou inelegível por oito anos.

O Supremo Tribunal Federal (STF) ainda definirá se rachadinha configura crime, seja de peculato ou corrupção. O julgamento envolve o deputado Silas Câmara, do Republicanos do Amazonas.

Fora de contexto

Procurada, a assessoria de Janones disse ter conhecimento de que um ex-assessor gravou o deputado. Contudo, afirmou que os áudios são “tirados de contexto”. O parlamentar não se manifestou sobre o assunto.

André Janones alcançou protagonismo na política nacional em 2022, quando anunciou a intenção de se lançar candidato à Presidência da República. Contudo, o parlamentar se retirou do pleito para coordenar as redes sociais da campanha de Lula, que venceu a eleição.

No segundo turno, o deputado teve atuação marcante nas redes. Ele chegou a admitir, em seu livro, fazer uso de fake news para tentar desestabilizar o então presidente Jair Bolsonaro.

Fonte: Metrópoles

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