O hacker Walter Delgatti Neto acusou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) de ter pedido ajuda a ele num plano para desacreditar as urnas eletrônicas nas eleições do ano passado e para assumir um grampo ilegal no telefone do ministro Alexandre de Moraes, na época presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). 

As declarações de Delgatti, feitas em sessão da CPMI dos atos golpistas nessa quinta-feira (17/8), causaram um verdadeiro terremoto no mundo político, mas suas consequências na esfera jurídica dependem de mais provas.

Combinadas a outras evidências, porém, as falas do hacker devem ajudar a apertar o cerco judicial ao ex-presidente da República, investigado no Supremo Tribunal Federal (STF) em inquéritos como o das milícias digitais, que apura ataques do ex-presidente às urnas; o dos atos de 8 de janeiro em Brasília; e a suposta venda de joias consideradas patrimônio público, entre outras ações.

As acusações de Delgatti se referem ao que ele diz ter ouvido de Bolsonaro em conversas pelo telefone e pessoalmente, no Palácio da Alvorada, em agosto do ano passado, às vésperas da eleição, quando o ex-presidente questionava a confiabilidade do sistema eleitoral brasileiro.

No depoimento no Congresso, Delgatti, que está preso e tenta acordo de delação premiada com a Polícia Federal, também disse que Bolsonaro lhe prometeu um indulto, nos moldes do decreto que tentou beneficiar o ex-deputado Daniel Silveira (PSB-RJ). De acordo com o hacker da Vaja Jato, Bolsonaro teria lhe assegurado de que mandaria prender algum juiz que tentasse responsabilizá-lo pelo suposto grampo do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).

O advogado constitucionalista Camilo Onoda Caldas, sócio do escritório Gomes, Almeida e Caldas Advocacia, avalia que se, de fato, o ex-presidente tiver feito essa promessa, existem implicações “muito severas”, tanto no aspecto político quanto no jurídico.

“Do ponto de vista jurídico, se o hacker praticou um crime, tendo recebido de Bolsonaro uma promessa de recompensa, Bolsonaro se torna coautor desse crime e, portanto, pode vir a ser punido criminalmente por esse fato. Do ponto de vista político, também existe um prejuízo bastante severo, porque, afinal de contas, ele estaria prometendo indulto, sem um fundamento legítimo e constitucional, a alguém que praticou um crime gravíssimo”, diz o jurista.

Delgatti não indicou ter gravado nada do que diz ter ouvido de Bolsonaro, que negou as acusações, mas, para Caldas, pesa contra o ex-presidente “o fato de que ele de fato deu um indulto extremamente questionável no caso do deputado Daniel Silveira, o que gera a convicção de que esse tipo de promessa é perfeitamente factível, já que, na prática, Bolsonaro se revelou capaz de fazer algo que até então nenhum outro presidente havia feito, que era dar a graça com um indulto individual”.

A graça dada por Bolsonaro a Daniel Silveira foi considerada inconstitucional pelo STF em maio deste ano, e o ex-deputado segue cumprindo sua pena, de 9 anos e 8 meses de prisão, em regime fechado até o momento.

Validade do depoimento como prova

As afirmações do depoente contra Bolsonaro não são provas “robustas e contundentes”, segundo o advogado Acácio Miranda, doutor em direito constitucional e mestre em direito penal. “Mas os investigadores da Polícia Federal podem usar essas falas para, eventualmente, entrarem em uma cadeia de provas maior, com evidências que confirmem o que Delgatti falou.”

“As acusações feitas pelo Delgatti podem ser o ponto de início de investigações ou ser relacionadas a provas já existentes”, reforça Miranda.

Para o advogado, as acusações de Delgatti que estão mais próximas de serem comprovadas em outras fontes são aquelas contra a deputada federal Carla Zambelli (PL-SP), apontada pelo hacker como intermediária na relação com Bolsonaro.

Delgatti disse que encontrou Zambelli de forma fortuita num hotel e que ali se iniciou uma relação que teria culminado na contratação e no pagamento dele pela parlamentar. A mando da deputada, o hacker invadiu o sistema do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e incluiu um mandado de prisão falso contra Alexandre de Moraes.

“É preciso constituir elementos que corroborem as informações prestadas pelo depoente”, reforça o também advogado Thiago Turbay, criminalista e sócio do Boaventura Turbay Advogados. “Se assim for, o ex-presidente terá atentado contra o Estado Democrático e rebaixado sobremaneira o decoro”, ressalta ele.

O que dizem os acusados

Na própria sessão da CPMI, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), filho mais velho do ex-presidente, admitiu que o hacker da Vaza Jato conversou com o pai e com militares que o governo destacou para a comissão de transparência do TSE nas eleições de 2022. Segundo Flávio, porém, foram “apenas sondagens” sobre a segurança das urnas, e não pedidos para o cometimento de crimes.

O ex-presidente Bolsonaro, por sua vez, falou sobre o depoimento de Walter Delgatti Neto em entrevista para a Jovem Pan. “Está voando completamente. (…) Tem fantasia aí”, disse o ex-presidente.

“Ele está inspirado hoje. Teve a reunião, e eu o mandei para o Ministério da Defesa para conversar com os técnicos. Ele esteve lá [no Alvorada e na Defesa] e morreu o assunto. Ele está voando completamente”, continuou Bolsonaro.

O ex-presidente disse ainda que só encontrou o hacker uma vez e que desconhece as alegações de ter sido o mandante da tentativa de grampear o ministro Alexandre de Moraes. “Tem fantasia aí. Eu só encontrei com ele uma vez no café da manhã [na Alvorada], não falei com ele no telefone, em momento algum. Como ele pode ter certeza de um grampo? Nós desconhecemos isso”, concluiu Bolsonaro.

Pelo Twitter, o advogado de Bolsonaro, Fabio Wajngarten, reagiu ao depoimento de Delgatti dizendo que o hacker “mente, mente e mente”.

Em nota, a defesa de Carla Zambelli disse que “refuta e rechaça qualquer acusação de prática de condutas ilícitas e ou imorais pela parlamentar”.

Indiciamento de Bolsonaro?

Relatora da CPMI dos atos de 8 de janeiro, a senadora Eliziane Gama (PSD-MA) falou com a imprensa após o depoimento de Delgatti e disse que há elementos para o indiciamento de Bolsonaro ao fim dos trabalhos da comissão.

“São informações graves, que, de forma muito clara, [mostram o que] seria uma tentativa de construção de elementos para justificar e apresentar uma tentativa de fraude eleitoral e, automaticamente, substanciar uma possível aplicação de um golpe no Brasil”, disse ela. “De fato, hoje é um dia marcante do ponto de vista dos trabalhos da CPMI e que, não há dúvida nenhuma, traz desdobramentos, com a apresentação de novos requerimentos”, destacou a senadora.

“Hoje, os elementos apresentados a esta comissão nos dão fortes condições de, ao fim, termos o indiciamento do ex-presidente Bolsonaro. Nós precisamos compatibilizar com as quebras [de sigilos] que nós estamos defendendo que ocorram. Dentre elas, a quebra de sigilo de relatórios do Coaf e também as quebras telemáticas. Não há dúvida nenhuma de que partiremos para esses indiciamentos”, concluiu.

A CPMI debateu e deve decidir sobre a possibilidade de fazer acareações entre Delgatti e as pessoas acusadas com ele. O hacker se disse disposto a fazer isso, até mesmo com Bolsonaro.

PF vai ouvir Delgatti novamente

Após o depoimento de Delgatti na CPMI, a PF voltou a convocá-lo para esclarecimentos, nesta sexta-feira (18/8). Os investigadores deverão pedir ao hacker caminhos para que suas acusações possam ser provadas. Devem questioná-lo também sobre omissões dele em outros depoimentos, pois o hacker não havia citado as acusações contra Bolsonaro sobre o grampo em Moraes nem sobre a promessa de indulto.

Elementos que podem ajudar nessa investigação são, por exemplo, os conteúdos dos celulares apreendidos com pessoas do entorno de Bolsonaro. É o caso do ex-ajudante de ordens Mauro Cid e de seu pai, Mauro Lourena Cid, e do advogado Frederick Wassef, que teve celulares apreendidos em batida da PF num restaurante, em São Paulo, na noite dessa quarta (16/8).

Temor por eventual prisão

O avanço rápido e midiático das investigações contra Bolsonaro em frentes como as urnas e a venda de joias leva seu entorno a temer uma operação contra o ex-presidente, o que poderia incluir um mandado de prisão. Essa possibilidade tem sido debatida abertamente pelos políticos em Brasília.

Vice-líder do governo Lula no Congresso Nacional, o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ) defendia, antes do depoimento de Delgatti, que já há elementos para a Justiça determinar uma prisão preventiva contra o ex-presidente no caso das joias.

Já o ministro da Justiça do governo Lula, Flávio Dino, disse, no início da semana, que, apesar dos indícios, não há razões para prender Bolsonaro “agora”.

Fonte: Metrópoles

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