Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) vão retomar na próxima quarta-feira (24) o julgamento que trata da descriminalização do porte de drogas para consumo próprio. O recurso foi incluído na quinta-feira (18/5) na pauta pela ministra Rosa Weber, presidente do STF.
O caso, de relatoria do ministro Gilmar Mendes, tem repercussão geral reconhecida, ou seja, o entendimento firmado pelo STF neste julgamento deverá balizar casos similares em todo o país.
Há, até o momento, três votos para não mais considerar crime o porte de maconha para consumo próprio. Desde que o julgamento começou, em 2015, votaram neste sentido os ministros Gilmar Mendes — que entendeu que deveria valer para todas as drogas —, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin — que restringiram seus posicionamentos ao uso da maconha. A análise será retomada na quarta-feira com o voto de Alexandre de Moraes.
Os ministros analisam um recurso apresentado pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo em favor de Francisco Benedito de Souza. Em 2010, ele foi condenado à prestação de dois meses de serviços comunitários após ser flagrado dentro de sua cela no Centro de Detenção Provisória de Diadema (SP) com três gramas de maconha.
A Defensoria Pública sustenta que essa tipificação penal ofende o princípio constitucional da intimidade e da vida privada. O julgamento gira em torno do artigo 28 da Lei de Drogas que prevê penas para quem “adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal”.
A Procuradoria-Geral da República (PGR) se manifestou pela constitucionalidade do artigo e pela criminalização do porte de drogas para consumo próprio.
“A conduta daquele que traz consigo droga de uso próprio, por si só, contribui para a propagação do vício no meio social. O uso de entorpecentes não afeta apenas o usuário em particular, mas também a sociedade como um todo”, afirmou.
A PGR alegou que a Lei de Drogas aboliu a pena de prisão ao usuário flagrado com entorpecentes e reconheceu a necessidade de dispensar ao usuário um tratamento preventivo e terapêutico, mas ressaltou que o Congresso Nacional optou por manter como crime o porte ou posse de drogas para consumo próprio.
“A despeito, inclusive, do surgimento de várias correntes defensoras da legalização das drogas, o fato é que não só o tráfico mas também o uso de entorpecentes é crime, que deve ser, consideradas suas particularidades, punido, mesmo com penas brandas. Não se pode, síntese, falar em inconstitucionalidade do dispositivo em questão [artigo 28 da lei]”, concluiu a PGR em seu parecer.
Voto do relator
Relator do caso, Gilmar Mendes votou para considerar inconstitucional o artigo da lei. Na avaliação do ministro, a criminalização estigmatiza o usuário e compromete medidas de prevenção e redução de danos, além de gerar uma punição desproporcional ao usuário.
O ministro mencionou em seu voto um levantamento de 2012 realizado em cerca de 20 países em que o consumo foi descriminalizado. O estudo revelou que em nenhum deles houve aumento significativo do uso regular de drogas. “A comparação entre países pesquisados demonstra que a criminalização do consumo tem muito pouco impacto na decisão de consumir drogas”, disse.
Gilmar Mendes afirmou em seu voto que a lei no Brasil conferiu tratamento distinto aos diferentes graus de envolvimento na cadeia do tráfico, mas não foi objetiva em relação à distinção entre usuário e traficante. “Na maioria dos casos, todos acabam classificados simplesmente como traficantes”, disse.
“O uso privado de drogas é conduta que coloca em risco a pessoa do usuário. Ainda que o usuário adquira as drogas mediante contato com o traficante, não se pode imputar a ele os malefícios coletivos decorrentes da atividade ilícita”, afirmou.
O ministro defendeu, no entanto, a manutenção das sanções previstas para o usuário, como advertência e comparecimento em curso educativo, aplicadas na esfera administrativa e cível. No caso específico, Gilmar votou no sentido de aceitar o recurso apresentado pela Defensoria Pública de São Paulo e absolver o réu por atipicidade da conduta.
Ao votar em 2015, Gilmar ressaltou que a descriminalização do uso não significa a legalização ou liberalização da droga. “Embora a conduta passe a não ser mais considerada crime, não quer dizer que tenha havido liberação ou legalização irrestrita da posse para uso pessoal, permanecendo a conduta, em determinadas circunstâncias, censurada por meio de medidas de natureza administrativa”, explicou.
Votos de Fachin e Barroso
O entendimento de Gilmar Mendes foi acompanhado em parte pelos ministros Edson Fachin e Luís Roberto Barroso. Assim como o relator, Fachin e Barroso votaram pela absolvição do mecânico flagrado com três gramas de maconha alegando atipicidade da conduta.
Diferentemente de Gilmar, Fachin e Barroso restringiram seus votos à maconha. Fachin considerou que, em temas de natureza penal, o melhor caminho é o da autocontenção do STF. Para o ministro, a atuação fora dos limites circunstanciais do caso pode conduzir a intervenções judiciais desproporcionais, seja sob o ponto de vista do regime das liberdades, seja sob o ponto de vista da proteção social insuficiente.
Ao votar, Fachin afirmou que, embora entenda caber ao Congresso a atribuição de estabelecer parâmetros para distinguir traficantes de usuários, segundo as quantidades portadas, considera ser dever do Judiciário atuar até que haja lei preenchendo o vácuo normativo.
Fachin propôs que o STF declarasse como atribuição legislativa o estabelecimento de quantidades mínimas que sirvam de parâmetro para diferenciar usuário e traficante. O ministro propôs que órgãos do Poder Executivo responsáveis pela elaboração e execução de políticas públicas sobre drogas emitissem parâmetros provisórios de quantidade para diferenciar usuários e traficantes.
“Se o legislador já editou lei para tipificar como crime o tráfico de drogas, compete ao Poder Legislativo definir os parâmetros objetivos de natureza e quantidade de droga que devem ser levados em conta para diferenciação, a priori, entre uso e tráfico de maconha”, afirmou.
Já o ministro Barroso afirmou em seu voto que o fato de ter se posicionado em favor da descriminalização não significa um incentivo ao consumo de drogas. Para o ministro, os focos do debate devem ser as melhores formas de desincentivar o consumo, tratar os dependentes e combater o tráfico.
Para Barroso, a criminalização do uso de maconha para uso pessoal fere o direito à privacidade. O ministro fundamentou seu voto dizendo que o Estado não pode interferir na autonomia do indivíduo, que Barroso considera um núcleo essencial e intangível da liberdade, que, de acordo com ele, é valor essencial nas sociedades democráticas.
A avaliação de Barroso foi a de que descriminalização do uso da maconha deve ser um passo inicial para testar se essa política pública é melhor do que o que chamou de “guerra perdida” contra as drogas.
Barroso propôs em seu voto que o porte de até 25 gramas de maconha ou a plantação de até seis plantas fêmeas sejam parâmetros de referência para diferenciar consumo e tráfico. Esses critérios valeriam até que o Congresso regulamentasse o assunto.
Fonte: CNN
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