Os principais desafios do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) serão restabelecer a harmonia entre os Poderes e promover a estabilidade econômica com o equilíbrio entre a responsabilidade fiscal e a social, de acordo com especialistas.

Os avanços em áreas prioritárias como economia e meio ambiente vão depender diretamente da capacidade do novo presidente de estabelecer diálogos com os demais poderes, segundo cientistas políticos.

Doutor em direito econômico pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Bruno Carazza diz que a tarefa de Lula deve ser “complexa” no Congresso. “Ele vai ter que exercer sua habilidade política, porque a base bolsonarista, principalmente no Senado, cresceu bastante. Lula vai ter que construir uma base parlamentar em direção ao centro”, diz.

A busca pela estabilidade institucional com o Supremo Tribunal Federal (STF) é menos complexa, segundo Adriano Oliveira, doutor em ciência política pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Ele diz que a vitória de Lula traz a “expectativa” de retorno da harmonia entre o Executivo e o Judiciário.

Os especialistas apontam que o petista deve lidar com os impactos de projetos e programas estabelecidos por Jair Bolsonaro (PL) nos meses que antecederam as eleições. Eles mencionam, como exemplos, a PEC dos Benefícios, que aumentou o valor do Auxílio Brasil para R$ 600, e a limitação da cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS).

Deysi Cioccari, que é doutora em ciência política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), diz que os benefícios implementados por Bolsonaro terão impactos como o aumento da inflação. Para a especialista, o presidente eleito deverá combater esses efeitos enquanto implementa mudanças na economia.

Lula, o Congresso e o STF

O presidente eleito precisará negociar com o Centrão para aprovar medidas de interesse do governo no Legislativo. Para passar projetos de lei, ele precisa ter mais da metade dos votos de ambas as casas; para propostas de emenda à Constituição, dois terços.

No primeiro turno das eleições deste ano, os partidos de centro-direita conquistaram 273 das 513 cadeiras na Câmara dos Deputados. O PL de Bolsonaro elegeu 99 deputados e 13 senadores, tornando-se o maior partido nas duas casas. A federação de Lula terá 79 parlamentares na Câmara e nove no Senado.

Deisy Cioccari avalia que Lula deve encontrar dificuldades em se relacionar com o Congresso. “Tanto a Câmara quanto o Senado estão bem conservadores e até bolsonaristas. Foi eleito um Congresso com pauta de costume bem bolsonarista”, analisa.

O cientista político Adriano Oliveira, da UFPE, acredita que o petista encontrará caminhos para o diálogo no Legislativo. “Eu não vejo esse grande desafio para Lula, pela capacidade de diálogo do ex-presidente. Nem todos da bancada bolsonarista serão ‘radicais’ com o governo Lula. Em dado momento, seis meses, oito meses, passarão a votar com o governo”, aponta.

No STF, o cenário não será de “desalinhamento”, de acordo com Bruno Carazza. “Acho que Lula vai ter mais facilidade para lidar com o Supremo, porque há uma maioria relativamente favorável a ele em muitos tópicos”, afirma.

Entre a responsabilidade fiscal e a social

Os especialistas dizem que uma das primeiras tarefas de Lula será encontrar caminhos para acomodar projetos e programas implementados por Bolsonaro em 2022. O petista prometeu durante a campanha, por exemplo, manter o valor do Auxílio Brasil em R$ 600. A possibilidade, contudo, não está prevista na Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2023.

O debate sobre o teto do ICMS dos combustíveis deve ser também revisto por Lula. Bolsonaro implementou a ação para diminuir os preços dos combustíveis, mas a medida vem reduzindo a arrecadação dos governos estaduais. Adriano Oliveira aponta que o presidente eleito deve sofrer pressão dos governadores nos próximos meses em relação à questão.

“O novo presidente certamente receberá pressão dos governadores para voltar o ICMS, não ficar com o teto de 17%. E isso é um grande desafio, porque os governadores, para investirem em saúde, educação, reajuste de servidores públicos, precisam de tributos”, diz.

O debate na economia, contudo, não se resume à acomodação desses projetos. Bruno Carazza aponta que Lula terá a missão de buscar “um novo arcabouço fiscal” para o país. Segundo o doutor em direito econômico, as flexibilizações que o governo Bolsonaro implementou para o enfrentamento da pandemia, da guerra da Ucrânia e das eleições, faz necessário o estabelecimento de novas âncoras.

“Ele terá que reconstruir a credibilidade fiscal brasileira, revendo as regras relacionadas à área fiscal: teto de gastos, regra de ouro, mecanismo da lei de responsabilidade fiscal”, diz.

O presidente Lula, durante as eleições, se posicionou contra o teto de gastos, mas não apresentou outra âncora fiscal para substituí-lo. Por outro lado, membros de sua campanha, como o vice-presidente eleito, Geraldo Alckmin (PSB), afirmam que a responsabilidade fiscal será uma das diretrizes do governo para a economia.

Adriano Oliveira reforça que Lula terá como um de seus desafios reforçar regras fiscais para trazer credibilidade e estabilidade ao país. O especialista aponta, contudo, que a agenda social também deve ser prioridade do novo governo.

“O Brasil tem uma grave crise social. Essa crise social já vinha desde o governo da presidente Dilma Rousseff. Algumas políticas públicas foram desmanteladas. O Brasil vai ter que construir um novo arcabouço de políticas sociais”, disse.

Os especialistas consultados afirmaram que o avanço de uma reforma tributária é essencial para que a agenda econômica do país avance — tanto para a geração de empregos quanto para o combate à pobreza e à desigualdade.

O agro e o meio ambiente

Para os especialistas, Lula também encontrará desafios ao se relacionar com representantes do agronegócio. Durante a campanha, ele criticou parcelas do setor que apoiavam a reeleição de Bolsonaro.

“Depois das críticas, vai ter um belo de um embate para furar essa barreira que se solidificou no setor”, explica a cientista política da PUC-SP.

O agronegócio representou 27,5% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil em 2021, segundo cálculo feito pelo Cepea (Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada), da Esalq/USP, em parceria com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

Lula ainda terá a missão de conciliar um dos principais setores da economia brasileira com uma das pautas mais relevantes para o debate internacional: a agenda climática. Bruno Carazza destaca que o meio ambiente é a questão externa mais impactante com que o novo presidente deverá lidar.

“Nós temos vantagens comparativas imensas em fontes alternativas de energia. Temos chance de ter um protagonismo muito grande na agenda de redução das emissões de carbono. Temos um potencial imenso de exploração, geração e comercialização de créditos de carbono. Então, a agenda ambiental pode ser muito importante para a economia brasileira”, destaca.

Serviços públicos

Os especialistas também apontam que o futuro governo terá de se dedicar ao fortalecimento dos serviços públicos. Eles indicam que as recentes crises enfrentadas pelo país precarizaram áreas como educação e saúde.

O professor da UFPE diz que Lula terá de encontrar caminhos para fortalecer o orçamento do Sistema Único de Saúde (SUS), por exemplo. Para ele, o governo federal tem como principais desafios atrair médicos, expandir serviços e, principalmente, reforçar campanhas de vacinação — que se mostram um ponto sensível após a pandemia de Covid-19.

Deysi Cioccari cita o esforço que governos petistas fizeram para expandir o ensino superior, mas diz que o ponto a ser priorizado pelo novo governo é o ensino básico.

Por CNN Brasil

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