Uma semana depois de anunciar um surpreendente pacto militar focado na ascensão chinesa, o presidente americano, Joe Biden, lançou uma série de iniciativas que visam fazer frente a Pequim na região do Indo-Pacífico.

O palco para isso foi a primeira reunião presencial de chefes de Estado do Quad, o Diálogo de Segurança Quadrilateral composto por EUA, Índia, Japão e Austrália -o mesmo país que deverá receber até oito submarinos nucleares como parte do acordo com Washington e Londres.

Ao mesmo tempo, talvez buscando um tom menos agressivo, os EUA acertaram um acordo para libertar uma executiva da gigante de telecom Huwaei, que estava detida havia três anos no Canadá e cuja prisão foi fortemente criticada em Pequi.

Seja como for, Biden recebeu os premiês Narendra Modi, Scott Morrison e Yoshihide Suga na Casa Branca, e o tom que transpareceu da parte pública da reunião foi voltado a ampliar a ação de contenção da expansão chinesa em seu entorno estratégico.

"Nós estamos juntos aqui no Indo-Pacífico, uma região que queremos ver livre de coerção, com direitos soberanos de nações respeitados e onde disputas são resolvidas pacificamente", disse Morrison na abertura do encontro.

Horas antes, a China passara recibo. "Uma camarilha fechada e exclusiva visando outros países vai contra a tendência do nosso tempo e as aspirações dos países da região. Ela não encontrará apoio e está condenada ao fracasso", disse um porta-voz da chancelaria chinesa, Zhao Lijian.

Biden se mostrou decidido a reativar o Quad, criado em 2007 e que dormitou como uma iniciativa até que Donald Trump o reativou em 2017 como parte de sua Guerra Fria 2.0 contra os chineses. O republicano, como em quase tudo o que fez na política externa, não conseguiu dar um norte coeso ao grupo.

É isso o que Biden tenta agora. O Quad nasceu como uma aliança de segurança e tem um componente militar poderoso, que são exercícios navais anuais perto da costa indiana, que a Austrália só passou a integrar no ano passado, quando a pressão exercida pela China cresceu.

Como havia questionado a questão da origem da pandemia da Covid-19 na China, Camberra foi punida com um pacote de retaliações que, ao fim, desembocou no pacto militar com EUA e Reino Unido.

Em março, Biden havia promovido a primeira reunião de chefes de Estado do grupo, virtualmente. Ao vivo, nesta sexta (24), retomou uma das promessas do encontro anterior: a distribuição de vacinas contra Covid-19 pela Ásia.

"Os povos da região vão ser muito beneficiados", disse Modi, cujo país será a base para a produção de 1 bilhão de doses de imunizantes para distribuição regional.

Isso deveria ter acontecido em abril, mas naquele mês a pandemia espiralou fora de controle na Índia, levando o governo a suspender exportações para lidar com o problema doméstico.

Agora, disse o premiê, tudo está certo para que o efetivo de vacinas seja entregue até o fim de 2022. A China vinha trabalhando fortemente na sua diplomacia vacinal também, em especial em países da região e na América Latina -onde a Coronavac foi o primeiro imunizante a ser usado no Brasil.

Também será anunciada uma iniciativa para tentar proteger a cadeia produtiva de semicondutores, os chips cuja falta no mercado mundial desacelerou a indústria automobilística no mundo todo. A produção é centrada em Taiwan, ilha que Pequim considera uma província rebelde.

Além disso, serão criados mecanismos para reforçar o combate à pesca ilegal, acusação sempre feita à China no Indo-Pacífico, e a promoção de tecnologia ocidental para redes 5G, dando sequência ao relativamente bem-sucedido esforço americano de tirar mercado da gigante chinesa Huawei.

Tudo isso dá um tempero de frente ampla, não só focada na potencial obstrução militar de vias marítimas vitais para o comércio e a produção chineses, mas também em aspectos econômicos e diplomáticos diversos.

O Quad nunca foi um grupo muito coeso. Até o ano passado, a Austrália relutava em bater de frente com a ditadura comunista, sua maior parceira comercial. A Índia, também até 2020, adotava uma política algo ambígua, buscando equidistância na briga EUA-China.

Só o Japão, que se vê ameaçado diretamente pelo alcance de armas chinesas, era mais incisivo, e ainda assim adotando um tom diplomático. Nesta reunião, contudo, sua voz foi anulada pela condição de "pato manco" de Suga, que está demissionário.

Os australianos formalizaram o Aukus, acordo que une as siglas de seu país, EUA e Reino Unido. Já os indianos tiveram uma grave escaramuça fronteiriça com os chineses, com dezenas de mortos, virando de vez sua preocupação estratégia para o rival também armado com bombas nucleares

Historicamente, o principal avdersário indiano é o Paquistão, com que já travou diversas guerras desde que o país muçulmano foi criado de uma costela da antiga Índia Britânica.

Só que os paquistaneses deixaram a órbita americana e passaram à chinesa ao longo das duas décadas de guerras a partir do 11 de Setembro.

Na visão de Nova Déli, China e Paquistão formam um bloco único, agravado agora pelo fato de que a retirada dos EUA do Afeganistão deixou o país à mercê da influência de Pequim, que apoiou a volta do Talibã ao poder, e de Islamabad, aliada dos fundamentalistas.

 Ainda assim, é cedo para dizer se o Quad terá uma conotação militar mais ostensiva. Mesmo sua forma de exercer pressão em outras arenas pode não ser muito atrativa a outros países da região, praticamente todos grandes parceiros comerciais dos chineses.

Do ponto de vista geopolítico, o grupo simboliza uma tentativa de cerco às rotas chinesas -e de proteção ao comércio americano, que transita pelas águas da região algo como US$ 2 trilhões anuais. Novamente, algumas nações podem se perguntar se vale a pena brigar com Pequim em nome da dominação de outra potência estrangeira na região.

Há também os problemas pontuais, como foi a criação do Aukus em relação à França. Como irá receber submarinos nucleares com tecnologia americana ou britânica, algo que será decidido em um ano e meio, a Austrália desistiu de uma compra bilionária de embarcações com propulsão convencional francesas.

Paris ficou irritada, gerando uma crise diplomática que ainda vai reverberar com o tempo.

Por ora, Biden mantém sua posição dúbia: aumenta a pressão sobre a China, deixando vazar até que está apressando a construção de novos bombardeiros estratégicos, e faz discursos com tom conciliador como o de terça (22) nas Nações Unidas.

Por Igor Gielow / Fonte: Folhapress

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