Na esteira de alertas que têm desenhado a urgência do combate à crise do clima, relatório publicado pela Organização Meteorológica Mundial (OMM) nesta quarta (1º) traduz em números o impacto que mudanças como o aquecimento global têm tido na ocorrência de eventos extremos nos últimos 50 anos. 

O braço das Nações Unidas para questões do clima contabilizou mais de 11 mil eventos como secas, enchentes, deslizamentos de terra, tempestades e incêndios de 1970 a 2019. Mas, enquanto nos anos 1970 foram 711 desses fenômenos, na década de 2000 o número passou a 3.536 —um aumento de cinco vezes.

Como consequência deles, há uma soma de mais de 2 milhões de mortes e um prejuízo econômico que ultrapassa US$ 3,4 trilhões (R$ 17,5 trilhões). Espraiando os números absolutos, é como se, a cada dia dos últimos 50 anos, 115 pessoas tenham morrido e mais de US$ 200 milhões de prejuízo fossem gerados por desastres naturais.

As inundações correspondem pelos principais desastres registrados (44%), seguidas por tempestades tropicais (35%). As perdas humanas em decorrência desses eventos estão majoritariamente concentradas nos países em desenvolvimento —de acordo com a classificação da ONU—, onde estão 91% das mortes.

A conclusão a se extrair dos dados, segundo o físico da USP Paulo Artaxo, referência em crise climática, não chega a ser novidade —os alertas sobre o que governos e empresas precisam fazer já estão dados, por entidades como o IPCC (sigla em inglês para Painel Intergovernamental de Mudança do Clima da ONU).

“A leitura é muito clara. Temos que reduzir as emissões de gás de efeito estufa o mais urgentemente possível se não quisermos impactos socioeconômicos gigantescos.”

Na comparação regional, o continente asiático tem uma incômoda dianteira. Foram mais de 3.400 desastres contabilizados ao longo das últimas cinco décadas, o que levou a quase 1 milhão de mortes. Na América do Sul, à frente apenas da Oceania, foram 867 eventos climáticos extremos, com um saldo de 58 mil vítimas.

O Brasil, em parte pela extensão territorial, é o líder sul-americano. Desde 1970, foram 193 eventos extremos no país —uma média de quatro por ano. E é em território brasileiro que foi registrado o desastre mais caro da América do Sul, em termos econômicos: uma seca no Sudeste do país em 2014 que, segundo compilado pela OMM, acumulou perdas de mais de US$ 5 bilhões.

Artaxo afirma que se acumulam evidências claras da vulnerabilidade brasileira à emergência climática. A estiagem histórica no Sudeste e no Centro-Oeste nos últimos meses —responsável por uma crise energética—, o aumento do nível do mar e a desertificação no Nordeste são alguns dos exemplos.

“O Brasil tem um plano estratégico de adaptação às mudanças climáticas que, por enquanto, está no papel, e o governo brasileiro não está atuando no sentido de proteger a população brasileira desses riscos enormes.” A gestão Jair Bolsonaro tem sofrido pressão internacional para se mostrar mais atuante nesse setor, em especial na questão do desmatamento, e recebe críticas pelo discurso antiambiental do presidente. 

Em meio ao amontoado de números crescentes, há uma comparação inversa: a quantidade proporcional de mortes caiu, ainda que os eventos extremos tenham acelerado. Enquanto na década de 1970 a cifra foi de 50 mil, na década de 2010 foi de menos de 20 mil.

Atribuída em grande parte à prevenção, com sistemas aprimorados de alerta precoce, a melhora foi caracterizada como uma “mensagem de esperança” pelo secretário-geral da OMM, o finlandês Petteri Taalas. Ao mesmo tempo, porém, ela é descrita com cautela no próprio relatório por uma análise adicional assinada pela OMS (Organização Mundial da Saúde): “A mudança climática ameaça reverter o progresso que a comunidade da saúde pública global vem fazendo contra muitas doenças e aumentar os desafios de resposta a emergências naturais”.

A ressalva destaca ainda a situação de países com maiores dificuldades econômicas e de infraestrutura. “O progresso foi alcançado na redução dos riscos de desastres, e isso levou à redução da mortalidade. Ainda assim, altos níveis de vulnerabilidade a eventos perigosos permanecem."

A prevenção aos impactos de eventos extremos, segundo a OMM, pôde ser observada no furacão Ida, que passa pelos Estados Unidos desde o último fim de semana e deixou ao menos cinco mortes e mais de 1 milhão de pessoas sem energia elétrica no estado de Louisiana.

Enquanto ainda calculam as perdas, autoridades locais têm discursado sobre o êxito de algumas estruturas erguidas após a passagem do furacão Katrina, há 16 anos, que deixou 1.800 mortes. Ainda assim, a ONU projetou nesta quarta que o Ida seja o desastre climático mais caro da história.

A rápida intensificação dos ventos e das chuvas do Ida alertou cientistas americanos, que chamam a atenção para o agravamento desse tipo de fenômeno com o aumento da temperatura dos oceanos gerado pelo aquecimento global.

Por Mayara Paixão | Folhapress

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