Um dos maiores crimes ambientais da história no Brasil, o derramamento de óleo que sujou praias em 11 estados vai completar dois anos sem que ninguém tenha sido responsabilizado, com danos ambientais que persistem e o país ainda construindo um sistema de monitoramento e resposta para lidar com esse tipo de tragédia.

Até hoje, pouco se sabe sobre a origem das toneladas de material que chegaram com as ondas e marés por meses a partir de agosto de 2019, matando animais, afetando o turismo e dezenas de comunidades pesqueiras – que tiveram a renda e o modo de vida fragilizados às vésperas da chegada de uma pandemia que agravaria o cenário.

Análises feitas por diferentes órgãos de pesquisa indicam que se tratava de petróleo proveniente da Venezuela. O mistério maior é sobre como o óleo chegou ao nosso litoral. Uma das teorias é de que o material seja fruto de um vazamento acidental ocorrido durante operação de transferência do produto entre navios em alto-mar, a pelo menos 500 km da costa brasileira.

É difícil ter certeza, porque essas são atividades realizadas sem registro, para tentar driblar os bloqueios econômicos impostos à ditadura venezuelana, e com os localizadores dos navios desligados.

A investigação aberta pela Polícia Federal – até agora, inconclusiva – chegou a apontar navios suspeitos em 2020, mas eles negaram envolvimento e não houve desdobramentos. Além da PF, o Ministério Público Federal, a Marinha e uma CPI na Câmara apuraram o crime, mas também não apresentaram conclusões sobre possíveis responsáveis.

A poluição que sobrou

Mais de 5 mil toneladas de óleo foram recolhidas por servidores e por voluntários ao longo de mais de 2 mil km de litoral, em 130 municípios de 11 estados, do Maranhão ao Rio de Janeiro. Desde o meio de 2020 que o óleo não se faz visível nas praias, mas seus resquícios continuam a poluir o habitat de milhares de espécies marinhas.

Um artigo publicado nesta semana por pesquisadores brasileiros na revista científica Marine Pollution Bulletin mostrando o resultado da análise de amostras recolhidas de outubro de 2019 a janeiro de 2020 em praias afetadas em Alagoas e Sergipe identificou níveis de metais pesados, como mercúrio, cobre e chumbo, acima dos considerados normais pela legislação ambiental brasileira.

Apesar de a falta de um monitoramento prévio das condições das águas impedir medição mais concreta dos efeitos desses resquícios de petróleo na natureza, o fato de os índices terem caído depois das primeiras análises indica que o vazamento teve papel relevante nessa poluição.

“Não vermos mais o óleo não significa que o problema acabou, o problema está ali”, afirma o professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) Emerson Soares, que é um dos coordenadores do estudo. A análise seguirá sendo feito até o ano que vem, em busca de medições mais robustas sobre os efeitos ambientais da tragédia.

“O material se dispersou, se diluiu, mas ficam os resquícios no ambiente, nos corais, liberando metais pesados, liberando compostos aromáticos altamente tóxicos. Então ainda continua contaminando o ambiente, trazendo danos para a biodiversidade, para os corais, para os animais e para a área de manguezal”, completa o docente.

A pesquisa também observou peixes e crustáceos das áreas afetadas e identificou enzimas que indicavam contaminação. “Nossa análise ajudou a alertar os moradores daquelas regiões e os pescadores que aqueles animais não deveriam ser consumidos. Isso durou até abril de 2020, quando encontramos índices abaixo do limite de tolerância”, explicou Soares.

Legado

A pesquisa que deu origem a esse artigo seguirá monitorando praias em Alagoas e Sergipe até 2022, e, segundo o professor da Ufal, outros estudos têm sido aprovados, apesar de dificuldades na liberação dos recursos para a criação de uma rede de monitoramento das condições da água no litoral brasileiro.

“A pandemia também atrapalhou um pouco, mas há uma força-tarefa indo a campo fazer esse trabalho. O próximo passo é ter um sistema amplo de monitoramento, com boias, com imagens de satélites e com a participação da população também. Estamos finalizando um aplicativo de celular para que qualquer um possa monitorar ocorrências estranhas, como óleo, e fazer uma denúncia para ser investigada”, detalha Soares.

“É algo em construção ainda, mas o legado que ficou dessa tragédia foi um despertar para a necessidade de monitoramento, para que possamos responder mais rapidamente em uma próxima necessidade”, conclui o pesquisador.

Investigação demorada

O Metrópoles entrou em contato com os órgãos responsáveis por investigar o crime ambiental do derramamento de óleo nas praias, mas só a Marinha respondeu até a publicação desta reportagem.

Segundo a instituição, a apuração não está parada. “Foram enviadas cartas às autoridades marítimas dos Estados de bandeira dos navios suspeitos, a partir do fim de 2019, à medida que as investigações foram se aprofundando, com fundamento na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, que prevê a cooperação mútua entre os Estados signatários”, informou a Marinha.

As cartas notificaram os navios como suspeitos do derramamento, solicitando dados e informações, além de oitivas dos tripulantes que estavam a bordo na ocasião da poluição. Houve novo envio de cartas aos três navios suspeitos, em setembro de 2020, ainda sem resposta, completou a força.

Pela parte da Marinha, porém, também se fala em legado: “O Sistema de Gerenciamento da Amazônia Azul (SisGAAz) é um dos Programas Estratégicos da Marinha, cujo objetivo é incrementar essa capacidade de monitoramento e de controle, tanto nas AJB como na área de responsabilidade de socorro e salvamento no mar, por meio de contínuo aperfeiçoamento e inserção de sistemas, equipamentos e novas tecnologias, integrando órgãos e agências”, assinala a Marinha, em nota.

CPI sem resultado

Em 2020, foi iniciada na Câmara comissão parlamentar de inquérito para investigar o vazamento de óleo nas praias. Os trabalhos da comissão, porém, foram interrompidos pela pandemia em 2020 e encerrados em abril deste ano por falta de votação sobre a prorrogação dos trabalhos. A CPI do Óleo tinha como relator o ex-deputado federal João Campos (PSB), que deixou a Câmara ano passado após ser eleito prefeito de Recife e não foi substituído.

Fonte: Metrópoles

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