A pandemia da covid-19 terá um impacto de longo prazo na saúde mental das populações, advertem especialistas da Organização Mundial da Saúde (OMS). O alerta foi feito ontem, em Atenas, na abertura de um fórum europeu sobre o impacto do coronavírus e entra em concordância com estudos científicos mostrando aumento das taxas de distúrbios psiquiátricos, como depressão e ansiedade, ao longo da crise sanitária. Especialistas da área têm ressaltado a necessidade da adoção urgente de medidas governamentais para enfrentar o problema.

A OMS considera que não é apenas o contágio, ou o medo dele, que tem afetado a saúde mental das pessoas. “O estresse causado pelas desigualdades socioeconômicas e pelos efeitos da quarentena, do confinamento, do fechamento de escolas e dos locais de trabalho tem consequências enormes”, afirma o diretor da agência na Europa, Hans Kluge. “A pandemia abalou o mundo. Mais de 4 milhões de vidas foram perdidas em todo o planeta, rendas foram destruídas, famílias e comunidades se separaram, empresas quebraram”, complementa.

Dados sobre depressão e ansiedade de diversos países já indicam os impactos da pandemia. Em dezembro, uma pesquisa feita pelo Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos com 800 mil pessoas mostrou que 42% delas tiveram sintomas dos dois distúrbios em 2020 — um aumento de mais de 200% considerando o ano anterior. Um estudo da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) publicado, em agosto último, no jornal The Lancet, indicou aumento de 90% nos casos de depressão no Brasil, durante a pandemia. A análise revelou, ainda, que o número de pessoas com crise de ansiedade e estresse agudo praticamente dobrou entre março e abril de 2020, no início da crise sanitária.

Os especialistas da OMS e autoridades europeias também destacaram, no evento, que o “impacto de longo prazo e de grande alcance” na saúde mental exige a adoção imediata de medidas. “Estamos falando de um componente-chave da nossa saúde, que requer ação (dos governos) agora. Precisamos falar abertamente sobre o estigma que acompanha a saúde mental”, ressalta o primeiro-ministro grego, Kyriakos Mitsotakis. Para o vice-presidente da Comissão Europeia, Margaritis Schinas, “a pandemia exacerbou o enorme desafio da saúde mental”. “Não há desculpa para adiar (esse debate)”, defende.

A OMS também recomendou que os países fortaleçam os serviços de saúde mental, garantindo a melhora do acesso à atenção por meio de tecnologia digital, o aumento dos serviços de apoio psicológico em escolas, universidades e locais de trabalho e também para pessoas que trabalham na linha de frente contra a covid-19. “A saúde mental e o bem-estar devem ser percebidos como direitos humanos fundamentais”, ressalta Kluge.

Quarta onda

Segundo Renata Figueiredo, presidente da Associação Psiquiátrica de Brasília (APBr), os desdobramentos mentais da covid têm sido considerados a quarta onda da doença. “Seria justamente esse aumento de transtornos psiquiátricos, que deve ser ainda mais expressivos por motivos diversos. Temos pessoas que largaram o tratamento que faziam com medo de sair de casa e também os efeitos gerados pelo isolamento”, explica. “Os danos da falta de contato social que vemos, agora, na clínica são frequentes principalmente em idosos, que perderam o contato com a família e ficaram com medo da doença. Isso tudo pode causar ansiedade e depressão.”

A especialista avalia que o cenário é preocupante para o Brasil, que é líder em casos de ansiedade. “Com essa taxa alta, você soma os danos econômicos e o luto por que muitas pessoas têm passado. É tudo propício para danos à saúde mental dos brasileiros”, justifica. “Outro problema que temos visto é o aumento de consumo de drogas. Ao ficar mais tempo em casa, as pessoas têm esse acesso mais fácil, que não acontecia no trabalho presencial.”

Para Renata Figueiredo, lidar com essas dificuldades exige um investimento em saúde pública, com, por exemplo, o aumento de profissionais e a oferta de tratamento. “Temos que oferecer a possibilidade de a pessoa conversar com o médico presencialmente e também virtualmente. É importante esse incentivo à telemedicina, pois pode evitar que as pessoas larguem os tratamentos pela metade”, defende. “Temos que criar opções para aumentar o acesso aos especialistas, e precisamos também de mais médicos para atender a essa demanda de atendimentos e evitar que as pessoas fiquem esperando na fila. Indivíduos com risco de suicídio ou que querem largar um vício em drogas não deveriam ficar esperando.”

Em alta no Brasil

Pesquisa da Fiocruz entre abril e maio de 2020 mostrou que 18% dos brasileiros aumentaram o consumo de álcool durante a pandemia, com taxas maiores entre pessoas com 30 a 39 anos (26%) e menores entre idosos (11%). Um estudo da Universidade de São Paulo (USP) indicou aumento de 40,8% no consumo de tabaco e de outras drogas entre mais de 3 mil entrevistados de maio a junho do mesmo ano.

Desnutrição aumenta a vulnerabilidade

Adultos e crianças infectados pelo novo coronavírus com histórico de desnutrição podem ter mais risco de sofrer a forma grave da covid-19, segundo pesquisa publicada na última edição da revista especializada Scientific Reports. Os autores acreditam que os novos dados podem ajudar na escolha de tratamentos mais efetivos para esse grupo de pessoas, evitando ao máximo o óbito.

No artigo, os cientistas americanos explicam que a desnutrição prejudica o funcionamento do sistema imunológico e pode piorar a infecção viral, o que os motivou a investigar a relação com o Sars-CoV-2. A equipe comparou diagnósticos de desnutrição com os de casos mais graves de covid-19. Eles usaram registros médicos de 8.604 crianças e 94.495 adultos (maiores de 18 anos) hospitalizados em decorrência das infecções pelo coronavírus entre março e junho de 2020.

Das 520 (6%) crianças com covid-19 grave, 39 (7,5%) tinham diagnóstico prévio de desnutrição, em comparação com 125 (1,5%) das 7.959 (98,45%) crianças com covid-19 leve. Dos 11.423 (11%) adultos com covid-19 grave, 453 (4%) tinham diagnóstico prévio de desnutrição, em comparação com 1.557 (1,8%) dos 81.515 (98,13%) adultos com a forma leve da doença.

A pesquisa também mostra que a vulnerabilidade não é detectada em crianças com menos de 5 anos e histórico de desnutrição. “Isso pode ser devido ao fato de haver menos dados médicos para menores de 5 anos. É algo que teremos que avaliar melhor”, afirmam os autores da pesquisa, que foi liderada por Louis Ehwerhemuepha, do Hospital Infantil de Orange County, nos Estados Unidos. Os cientistas ponderam que o tema precisa ser mais investigado e apostam no uso dos dados atuais como base para a escolha de tratamentos médicos mais eficazes para esse perfil de infectados.

Por Vilhena Soares / Correio Braziliense

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