Segundo números da Pnad Contínua, houve queda da população ocupada feminina de mais de 4 milhões de pessoas entre o primeiro e segundo trimestre deste ano.

Para a economista do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos). “a Covid-19 é um acelerador desse processo. A pandemia traz algumas exigências que fazem aumentar o trabalho de cuidado e afazeres majoritariamente exercidos por mulheres”. “Isso torna cada vez mais incompatível a busca e atuação no trabalho remunerado, que é o que a sociedade valoriza.”

A desigualdade de gênero e a discriminação ocorrem, diz a economista, quando um empregador ou chefe fazem questionamentos sobre a responsabilidade pelos filhos e optam pela candidata com mais disponibilidade de horário. “Estamos vendo o mundo das mulheres piorar há muito tempo e a crise provocada pela Covid-19 foi o estopim”, afirma. “Elas migram para o mundo dos trabalhos de cuidados e aquelas que permanecem nesse universo têm mais chances de ficar desempregadas.”

As mudanças no mercado de trabalho vêm atingindo, sobretudo, as mulheres nos últimos anos. “Toda vez que se diminui o espaço, quem sofre primeiro são as mulheres por terem um segundo trabalho de cuidado com os filhos, a família, pais e idosos”, afirma Lúcia.

As mulheres, explica a economista, estão vinculadas aos segmentos mais desvalorizados da sociedade: educação, saúde e serviços de assistência. “Toda vez que diminui o orçamento nessas áreas elas perdem o trabalho e, quando não perdem, tem uma carga de trabalho muito superior.

Vânia Suster Sampaio, de 40 anos, é produtora de eventos e mãe de três filhas. “Trabalhava em uma agência e pedi demissão para começar em uma empresa nova. Com a pandemia, a empresa fechou as vagas disponíveis e eu já havia saído da anterior”, afirma. Uma das filhas de Vânia, que está em tratamento contra um câncer, faz parte do grupo de risco para a covid-19. “Me vi em uma situação desesperadora, não podia sair de casa, precisava de ajuda com água, luz e aluguel, a pensão estava atrasada.”

Vânia é uma das 1.734 mulheres que o projeto Segura a Curva das Mães, que nasceu com o intuito de prover ajuda emergencial às mães durante a pandemia, atende. “Recebi a ajuda de R$ 150 e suporte com cesta básica, remédios.” Depois de perder o emprego, Vânia tentou migrar para os negócios virtuais ao abrir uma loja online que não deu certo. “Eu não ganhava mal, mas não podia sair para trabalhar. A imobiliária chegou a dizer que se eu atrasasse o pagamento seria despejada. Conversei com ela e avisei que não teria condições de pagar.”

“As mulheres estão vinculadas aos segmentos mais desvalorizados da sociedade: educação, saúde e serviços de assistência.” Lúcia Garcia, economista do Dieese

Sem o emprego fixo, a produtora de eventos vendia objetos na internet para obter alguma renda. “Tenho um carro que está com duas parcelas atrasadas, o convênio médico das meninas também está atrasado. O computador está quebrado, cortaram a internet e eu renegociei”, diz. “Fui jogando para frente achando que a situação melhoria, mas não melhora.” Nesse período, por conta da sobrecarga de atividades, Vânia afirma que ficou em depressão por duas semanas. Hoje, seis meses após a pandemia, a produtora começa a fazer os primeiros trabalhos como freelancer. “Não posso me dar ao luxo de ficar em depressão, minhas filhas dependem de mim.”

Apesar disso, Vânia diz não ter perspectiva de trabalho em sua área. “É muito difícil se organizar, elas se apegaram muito a mim. Tentei deixar as duas mais novas com a mais velha, mas não temos tanta estrutura, então ficou cada vez mais difícil.” De acordo com uma pesquisa realizada pelo Projeto Segura a Curva, que ouviu 900 mulheres, cerca de 70% estão desempregadas ou desocupadas. No entanto, seis meses após o início da pandemia, o projeto passa por dificuldades para arrecadar doações. “Nos primeiros meses, havia muitas manifestações e arrecadações, a rede de doadores cresceu de forma espontânea e as pessoas estavam sensibilizadas. Com o passar do tempo, perdemos o lugar político do inédito”, afirma Thaiz Leão, co-idealizadora do projeto.

“Conforme passa o tempo, há uma normalização de uma situação muito grave. Estamos nos acomodando com os problemas do novo normal” Thaiz Leão, co-idealizadora do Segura a Curva das Mães

Pandemia
O estresse contínuo, segundo a co-idealizadora, é um fator que marca os seis meses de pandemia. “Conforme passa o tempo, há uma normalização de uma situação muito grave. Estamos nos acomodando com os problemas do novo normal”, afirma. “Estamos vivendo um problema com poucas soluções sociais disponíveis para a volta ao trabalho e se imaginarem produtivas. As crianças não cabem nesse novo normal.”

Segundo Thaiz, a única perspectiva de política pública é a reabertura das escolas e creches. Além disso, outras políticas são fundamentais para enfrentar os próximos anos, como a adequação de espaços na cidades para as crianças e mães, a presença de mulheres mães na política, saneamento básico, energia elétrica, entre outras.

As configurações familiares passaram por mudanças nos últimos anos e atualmente a renda das mulheres é a mais importante dentro de grande parte dos lares. “A mulher é colocada como agente autônoma, é cobrada por se articular, criar soluções, cuidar do filho. Isso tudo acaba gerando um ônus psicológico muito grande.” Com o passar dos meses, as demandas sobre moradia se agravaram. “Não era todo mundo que estava em emergência. Agora, o corte da conta de luz e aluguel são riscos constantes e os salários que continuam sendo cortados.”

Aprofundamento das vulnerabilidades
A fundadora do Projeto Segura a Curva das Mães e ativista social, Thaís Ferreira, afirma que um dos efeitos mais graves da pandemia foi o aprofundamento das desigualdades. “Muitas não tiveram acesso ao auxílio emergencial”, lembra. “A principal demanda hoje é o atendimento psicológico, a sobrecarga está cada vez maior”, diz Thaís. Do total de mulheres atendidas pelo projeto, 84% solicitaram apoio psicológico. “Até mesmo as mães de adolescentes pedem ajuda psicológica porque não conseguem mantê-los em casa.”

Segundo ela, há um alto número de mulheres, mães solo tentando buscar soluções em meio a uma sensação de insegurança. “A maior parte delas não sabe o que está por vir e não sabe como recuperar esse tempo perdido porque o mercado de trabalho é cruel com as mães. Essa busca constante pela adaptabilidade não é saudável”, afirma Thaís. A fundadora do projeto acredita que no Brasil faltam projetos que apoiem o desenvolvimento das mães. “Precisamos de mais estruturas públicas para dar suporte às necessidades das mães, com equipes multidisciplinares, atendimento psicológico, criação de vínculos entre as mulheres, políticas voltadas ao cuidado e desenvolvimento na primeira infância.”

Stella Rosa de Oliveira, de 20 anos, moradora da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro, enfrentava dificuldades antes da pandemia. Mãe de um menino de quatro anos, ela fazia bicos para sustentá-lo. Com a pandemia, não pode mais sair de casa para buscar trabalho porque a criança tem problemas pulmonares. “Tem meses que falta comida e remédio”, diz. “Meu marido trabalha no setor de turismo, que está parado. Hoje, ele vive com o auxílio emergencial.” Stella afirma que gostaria de trabalhar em qualquer setor e sonha com um emprego de carteira assinada. “Tenho enfrentado uma tristeza muito grande por não trabalhar. Ficar parada dentro de casa não me faz bem.”

Empurradas para o empreendedorismo
A maternidade costuma ser um dos fatores que impulsiona a mulher a empreender. De acordo com a fundadora e presidente da Rede Mulher Empreendedora, Ana Fontes, cerca de 60% das mulheres que empreendem são mães. “Elas são empurradas do ambiente corporativo, a maioria das empresas não proporciona um ambiente de trabalho onde elas se sentem acolhidas e com flexibilidade de horário”, afirma. Entre as mulheres empreendedoras no país, 40% sustentam as famílias com a renda obtida nos negócios. “Esse número deve crescer assustadoramente.

Segundo Ana, as demissões atingem sobretudo as mães. De acordo com a Rede, a pandemia terá um grande impacto na quantidade de novos negócios. A previsão é que o empreendedorismo entre mulheres cresça entre 20% e 25% nos próximos 12 meses. “Os negócios serão mais por necessidade do que por oportunidade”, diz Ana. “O movimento de incentivo à compra de pequenos empreendedores vai crescer cada vez mais.”

“As mulheres são empurradas do ambiente corporativo, a maioria das empresas não proporciona um ambiente de trabalho onde elas se sentem acolhidas” Ana Fontes, presidente da RME

Para isso, porém, ela reforça que o governo precisa oferecer linhas de crédito diferenciadas para mulheres, possibilitar condições de vendas diferenciadas e outras políticas públicas que incentivem novos negócios entre mulheres. “Não é um processo fácil e glamourizado. Existem muitos riscos envolvidos, não se pode olhar para esse movimento somente como uma forma de movimentar a economia e tirá-las de uma condição de segurança de trabalho”, explica Ana. “No início, se ela não tiver uma reserva financeira, fica muito complicado. Não se pode maquiar a precariedade do ambiente de trabalho.”

A saída do ambiente corporativo para o próprio negócio deve ser feita, segundo a especialista, com apoio, acesso ao crédito, a programas de capacitação. “Isso para que se diminua minimamente os impactos e riscos de precarização.” A estudante de gastronomia Nathália pensa em montar um negócio de marmitas saudáveis. “Não tenho estrutura para manter o alimento fresco e tenho receio em investir meu dinheiro em um negócio que pode não dar certo.”

“Meu perfil não é o mercado corporativo”
Natália Lazzarini, de 33 anos, se arriscou, pediu demissão da empresa em que trabalhava e decidiu criar o próprio negócio. Hoje, ela é co-fundadora da Confraria do Empreendor. Além disso, criou uma empresa que disponibiliza atividades lúdicas para mães educarem crianças em casa. A ideia surgiu quando Natália decidiu que não queria ver o filho em frente à televisão por horas a fio durante a pandemia. “Pensei com quatro amigas pedagogas que estavam desempregadas em criar atividades para mães educarem seus filhos durante a pandemia. É preciso encontrar a criatividade onde estamos.”

A primeira tentativa de empreender durou apenas três anos. “Com base nessa experiência percebi o quanto é difícil para nós. Tinha acabado de ter filho”, lembra. Com a pandemia, ela decidiu abandonar o mercado de trabalho para voltar ao próprio negócio. Mas, dessa vez se mudou de São Paulo para Belo Horizonte, em Minas Gerais, para ficar mais próxima da família. “Minha rede de apoio está aqui”, diz. “Dedico três horas durante a manhã ao meu filho, começo a trabalhar às 11h e vou até às 17h ou 18h. Depois que ele dorme, retomo alguma atividade, faço leituras, respondo e-mails”, afirma.

Natália precisou fazer uma série de adaptações à rotina e contratar uma funcionária para ajudá-la com a criança. “Não tenho a estabilidade que tinha, mas os custos diminuíram. Meu perfil não é o mercado corporativo.”

Frustração e endividamento
A economista do Dieese alerta, porém, que a taxa de sucesso de mulheres que tentam empreender é restrita. “Vamos ter uma frustração de negócios e um endividamento”, diz. Para aquelas que se arriscarem, a economista alerta que será necessário se engajar em redes produtivas e construir uma boa articulação. “Não adianta todo mundo focar em embelezamento ou produção, é preciso romper com o limite do digital e dominar esse processo.” Caso contrário, as mulheres voltarão a se inserir na economia de uma maneira marginal. “Tendemos a ter um empreendedorismo da miséria.”

Para Lúcia, o grande desafio na busca por alternativas é não repetir os mesmos mecanismos que marginalizam e desfavorecem as mulheres. “Ainda estamos caindo no poço. Existem algumas projeções que amenizam a velocidade da queda”, avalia. “Pode ser que no final de 2020 e no início de 2021 tenhamos algumas melhorias, a depender do impacto da redução do auxílio emergencial”, afirma a economista.

A maior parte das empresas que fecharem durante a pandemia, segundo Lúcia, não voltará a funcionar. “Vai ser mais raro encontrar mulheres negras, jovens e mães nesse mecanismo. O capitalismo dá sinais do que deve ocorrer nos próximos anos e é como se a economia nos dissesse: não seja mãe ou tenha pelo menos um filho e as mulheres que estão no meio do caminho serão mais penalizadas.”

R7

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