Apesar de uma decisão judicial que autorizou uma menina de 10 anos a interromper a gravidez, o hospital de referência de Vitória, no Espírito Santo, alegou questões técnicas para não fazer o procedimento. Com apoio da Promotoria da Infância e da Juventude de São Mateus e da Secretaria Estadual de Saúde, ela foi transferida para outro estado, em companhia da avó, onde interromperá a gravidez em um centro médico de referência. O destino foi mantido em sigilo pelas autoridades.
A criança, grávida de cerca de 20 semanas, já enfrenta, de acordo com fontes da reportagem, problemas de saúde. De acordo com a lei, ela tem direito de realizar o aborto legal por ter sido vítima de violência sexual e pelo risco de morte materna.
O hospital alegou que a idade gestacional estava avançada e, portanto, não era amparada pela legislação.
A advogada Sandra Lia Bazzo Barwinski, do Comitê da América Latina e do Caribe para a Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem Brasil) afirma que, no Brasil, não é determinado nenhum tipo de limite na legislação.
— O Código Penal diz que não é crime o aborto, com consentimento da gestante e praticado por médico, quando houver risco de vida à gestante ou for decorrente de estupro. Nosso código não coloca data, peso, limite. Se uma paciente chegar com gestação de seis, sete, oito meses e estiver correndo risco de morte, o médico vai avaliar o risco e dar opção de fazer a antecipação do parto para salvar a sua vida — afirma a advogada.
Segundo a advogada, que acompanha o caso, a menina está com diabetes gestacional.
—Essa criança está doente, o que potencializa o risco de morte dela. É uma emergência médica e numa emergência médica não há objeção de consciência, pela ética médica. Era obrigação do serviço de saúde prestar assistência médica.
Na noite de sexta-feira, houve decisão judicial autorizando a realização do procedimento após “manifestação da vontade da criança e da família”.
Na decisão, o juiz afirma:
“Determino que seja realizada a imediata análise pela equipe médica quanto ao procedimento de melhor viabilidade para a preservação da vida da criança, seja pelo aborto seja pela interrupção da gestação por meio de parto imediato, devendo, caso seguro, ser realizado o procedimento de interrupção da gravidez, sempre em consonância com Portaria 1.508 de 2005, do Ministério da Saúde, destacando, inclusive, a prescindibilidade de autorização judicial para o procedimento.”
A família da vítima sofreu forte pressão para que não haja interrupção da gravidez. Dezenas de pessoas foram à casa da avó da menina. Políticos e religiosos também tentaram interferir nos últimos dias.
O corregedor nacional de Justiça, Humberto Martins, pediu ontem que o Tribunal de Justiça do Espírito Santo "preste informações a respeito das providências adotadas pelo Judiciário local no tocante ao caso da criança de dez anos que engravidou", informou comunicado do CNJ.
O TJES teria 48 horas para prestar informações sobre a condução do caso e sobre medidas tomadas para garantir os direitos da menina "à vida, à saúde, à dignidade" e proteção contra "negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade ou opressão".
O Globo