Ao mesmo tempo em que começa a programar sua saída gradual da quarentena, a Itália lida, nos últimos dias, com denúncias e investigações de irregularidades que já causaram milhares de mortes dentro de casas de repousos.

Há relatos de que faltaram dispositivos de proteção para funcionários que entravam e saíam dos asilos, não realização de testes do coronavírus, permissão para visitas, transferência de pacientes positivos para dentro dessas moradias e até a proibição, por dirigentes, do uso de máscaras e luvas, nos primeiros dias da epidemia, para evitar o "pânico" entre idosos.

Um dos casos mais eloquentes é o da casa de repouso Pio Albergo Trivulzio, em Milão, onde mais de 190 idosos morreram desde março. Uma investigação foi aberta sobre possíveis crimes de homicídio culposo e epidemia culposa.

Mas as mortes nas casas de repouso não se limitam à Lombardia. Segundo o Instituto Superior de Saúde, entre 10 de fevereiro e 14 de abril, morreram quase 7 mil idosos em asilos de todo o país, sendo 3.045 na Lombardia. No total, 40% dos óbitos são de casos confirmados de Covid-19 ou suspeitos com sintomas.

Os números, no entanto, tendem a ser maiores. O levantamento, que tem sido atualizado semanalmente, leva em consideração dados de 1.082 casas de repouso. A Itália tem 4.629 residências sanitárias assistenciais (RSA), como são chamadas as estruturas públicas e privadas que cuidam de idosos que não são autossuficientes.

De acordo com a pesquisa, as principais dificuldades na gestão do coronavírus dentro dessas residências estão relacionadas à falta de informações sobre como proceder para conter a infecção, falta de dispositivos de proteção pessoal e dificuldades para isolar casos positivos e/ou realizar exames.

Diretor-geral-assistente da OMS (Organização Mundial da Saúde), o médico italiano Ranieri Guerra, especialista em saúde pública, definiu a situação como um massacre.

"Acredito que o massacre que vimos não deve ser uma ocasião desperdiçada para repensar seriamente esse sistema de prestação de cuidados e assistência", afirmou Guerra na semana passada.

Diferentemente de países como Espanha e Estados Unidos, onde a chegada do coronavírus foi marcada pela disseminação dentro e a partir dessas estruturas, na Itália a contaminação dos asilos ganhou força no decorrer da emergência sanitária.

Uma das medidas mais contestadas é uma resolução da região da Lombardia de 8 de março, em que autorizava a transferência, de hospitais para asilos, de pacientes com Covid-19 que precisavam de poucos cuidados ou não tinham condições de fazer o isolamento domiciliar. A região é a mais afetada da Itália e registra mais da metade das 23 mil mortes do país.

Tal decisão foi comparada por especialistas como um isqueiro que é aceso no palheiro, por expor ao vírus justamente o maior grupo de risco da doença --idosos com outras patologias.

A Lombardia, cuja capital é Milão, justificou a liberação das transferências dizendo que, naqueles dias, era necessário abrir leitos de hospitais para os casos mais graves. E que os pacientes com Covid-19 deveriam ter ocupado alas separadas dos idosos que moravam nas estruturas.

Um dos pontos da investigação é se os asilos, que tinham direito a € 150 (R$ 855) por dia para cada paciente recebido, cumpriram essas especificações --e se as autoridades se certificaram de que as estruturas tinham condição de garantir os devidos cuidados.

O governador da Lombardia, Attilio Fontana, da Liga, mesmo partido do ex-vice-premiê Matteo Salvini, o político mais popular da oposição, trava desde os primeiros dias da emergência sanitária uma disputa com o governo central, em Roma, pela condução da crise.

"Nem mesmo parentes deveriam ter entrado nessas estruturas. É evidente que as indicações ministeriais de não permitir a entrada de potenciais fontes de contágio não foram aplicadas. O vírus não atravessa paredes e não mora nos colchões. É transportado pelas pessoas", afirmou, na semana passada, Sandra Zampa, subsecretária do Ministério da Saúde.

E não se trata de uma situação só italiana. Independentemente dos erros cometidos por cada estrutura ou país, as casas de repouso se tornaram epicentros de contaminação dentro e fora da Europa.

Uma equipe da London School of Economics está monitorando a situação, e as primeiras evidências sugerem que o percentual de mortes relacionadas ao coronavírus ocorridas em asilos varia entre 49% a 64% do total de vítimas na Bélgica, Canadá, França, Irlanda e Noruega.

Na Espanha, segundo dados da emissora RTVE, cerca de 13.500 idosos teriam morrido em asilos com sintomas da doença.

No país, o vírus entrou nos lares desde o início da crise sanitária e, em uma das blitze comandadas pelo Exército, idosos mortos foram encontrados abandonados em uma das casas.

Nos Estados Unidos, a cena espanhola se repetiu na semana passada, quando, a partir de denúncia anônima, a polícia encontrou 17 corpos empilhados dentro de uma casa de repouso em Nova Jersey.

O país, que hoje é o mais afetado pela Covid-19, teve o início da epidemia marcado pela difusão dentro de um asilo na área de Seattle. Além das mortes internas, uma festa teria contribuído para espalhar a doença na cidade.

De acordo com levantamentos realizados pela autoridade sanitária de Seattle em parceria com o Centro para Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, os fatores que impulsionam a rápida contaminação nos lares para idosos são a presença de funcionários assintomáticos, o fato de eles trabalharem em mais de uma unidade, a dificuldade de implementar protocolos específicos para doenças infecciosas e a falta de testes.

Por Michele Oliveira

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