Na semana em que o Brasil confirmou seu primeiro caso de Covid-19, mais de 90 mil pessoas chegaram ao país vindas de nações com transmissão local do coronavírus reconhecida pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
De 23 de fevereiro a 1º de março, segundo dados da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil), desembarcaram nos aeroportos brasileiros 91.932 pessoas provenientes de Itália, Espanha, Estados Unidos, China, Reino Unido, Alemanha, França e Emirados Árabes.
O Brasil decidiu restringir a entrada de estrangeiros nos aeroportos apenas em 19 de março.
Os países citados são aqueles em que, segundo os critérios da OMS, o vírus já circulava, enquanto em outros locais os doentes haviam sido contaminados em viagens ao exterior. Não é possível dizer quantos dos viajantes são brasileiros nem quantos são turistas.
Na semana do dia 23 de fevereiro, em que muitos brasileiros voltavam de viagem após o feriado do Carnaval, o número de casos confirmados no mundo ainda era tímido, se comparado com a situação atual.
A escalada da epidemia nos dias seguintes, porém, indica que o vírus circulava de maneira mais generalizada do que se acreditava naquele momento.
Isso pode ser explicado pelo período de incubação (tempo entre a infecção e o aparecimento dos sintomas), que varia de 2 a 14 dias. Naquela época, o epicentro da epidemia ainda era a China, onde o vírus surgiu.
Em 1º de março, havia quase 80 mil infectados entre os chineses, e a província de Hubei, a mais atingida, estava em quarentena havia mais de um mês.
De Pequim, naquela semana, os registros mostram que chegaram ao Brasil apenas 342 passageiros. O número pode ser maior, já que o trajeto costuma incluir conexões, muitas vezes não rastreadas pela Anac.
Outros 20 mil (22%) chegaram da Espanha e da França. Os franceses já tinham dois óbitos confirmados em 27 de fevereiro, enquanto os espanhóis, hoje com a segunda maior quantidade de mortes, ainda contavam 15 casos.
O número total de passageiros pode ser maior, já que o levantamento da Anac não permite identificar todos os trajetos dos viajantes.
Uma pessoa que estava em Madri e voou para Lisboa, para daí trocar de avião e vir ao Brasil, por exemplo, pode ser contabilizada pela agência como um passageiro que veio de Portugal.
Da Itália, que pouco depois se tornou o país com maior número de mortos em todo o mundo, vieram quase 7.000 pessoas (7% do total). Cerca de 19% delas saíram do aeroporto de Milão, na Lombardia, região onde a epidemia italiana se concentrou.
Na Itália, o vírus se alastrou com rapidez. Em 23 de fevereiro, eram 155 casos confirmados. Sete dias depois, em 1º de março, 1.694 contaminados e 34 mortos. No domingo seguinte, dia 8, 366 pessoas já haviam morrido, e 7.375 estavam infectadas. Hoje, são mais de 17 mil mortes.
O primeiro paciente com Covid-19 no Brasil contraiu a doença justamente na Itália. Era um homem de São Paulo, de 61 anos, que esteve no país de 9 e 21 de fevereiro.
Segundo o Ministério da Saúde, ele procurou um hospital poucos dias depois da viagem. A confirmação de que estava com a doença veio no dia 26. Pouco antes, porém, ele havia participado de uma reunião familiar, o que deixou 30 pessoas em observação.
A maior parte dos passageiros veio dos Estados Unidos. Foram 49,8 mil, 54% do total que desembarcou vindo dos países analisados.
Desses, 11 mil (22%) saíram dos aeroportos de Nova York, onde a epidemia se concentrou nos EUA. Nesta terça (7), a cidade teve 731 mortos, o número mais alto que já registrou em um só dia até agora.
No fim de março, o país se tornou o epicentro da pandemia. Já tem mais de 11 mil mortos (29% em Nova York) e quase 380 mil casos.
Os EUA entraram em 3 de março na lista definida pelo Ministério da Saúde brasileiro de países cujo histórico recente de viagens por pacientes deveria ser observado para definir casos de suspeita de coronavírus.
A mudança ocorreu após análise de que havia transmissão local do vírus em algumas regiões. Naquele momento, eram pouco mais de cem casos em solo americano. Dez dias depois, eram mais de 2.000.
Quando o Brasil passou a restringir a entrada de estrangeiros, porém, os Estados Unidos ficaram de fora. Em 19 de março, o governo decidiu barrar cidadãos da Ásia e da Europa, salvo em situações específicas, como residentes ou pessoas em missão de órgãos internacionais.
Três dias antes, a União Europeia havia anunciado o fechamento de suas fronteiras. Até então, não havia restrição à entrada por via aérea de estrangeiros no Brasil, e medidas estabelecidas a mando de governadores, como controle de temperatura em aeroportos, foram recriminadas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
Em 13 de março, o Ministério da Saúde chegou a recomendar que pessoas vindas do exterior cumprissem quarentena de sete dias, mas recuou após ordem de Jair Bolsonaro (sem partido).
O presidente, que se diz contra medidas duras de isolamento social para conter a propagação do vírus, também relutou em fechar fronteiras.
Já os EUA proibiram a entrada de quem chegasse da China em 2 de fevereiro, e o bloqueio a voos da Europa foi anunciado em 11 de março.
Por Flávia Faria e Diana Yukari