O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) contrariou a ponderação de seus aliados ao confrontar, em plena crise do coronavírus, o agora ex-ministro Sergio Moro. No entanto, mesmo para esses colaboradores que recomendaram ao presidente que esperasse o fim da pandemia antes de decidir o destino do ex-juiz, o desgaste era irremediável e o desfecho, inevitável.
No círculo de confiança de Bolsonaro, Moro é acusado de deslealdade ao presidente e infidelidade à agenda que o elegeu. O comportamento do ex-ministro também fez crescer nesse grupo a desconfiança de que está construindo uma candidatura à Presidência da República em 2022.
Moro decidiu entregar o cargo na sexta-feira (24) e deixar o governo Bolsonaro após a exoneração do diretor-geral da Polícia Federal, Maurício Valeixo, ter sido publicada no Diário Oficial da União.
Conforme o jornal Folha de S.Paulo revelou, Moro já havia pedido demissão a Bolsonaro na manhã da quinta-feira (23), quando foi informado pelo presidente da decisão de demitir Valeixo.
Em seu pronunciamento sobre a saída de Moro, na tarde de sexta-feira, Bolsonaro afirmou que confiança precisa ter duas vias e que o ex-juiz tem compromisso com seu ego. "Eu sempre abri o coração para ele, e duvido se alguma vez ele abriu para mim."
Uma semana antes da nova crise, no dia 17, ao comentar com um aliado a saída de Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde, Bolsonaro disse que outro ministro estava com os dias contados. Segundo relato desse aliado, o presidente disse que estava "levando porrada" e que Moro "não fazia nada".
O entorno do presidente aponta uma série de motivos para o desgaste com Moro além da falta de manifestação pública de apoio a Bolsonaro na crise do coronavírus. O então ministro se mostrou por mais de uma vez irritado ao ser pressionado por interlocutores do Planalto e pelo próprio Bolsonaro em reunião no Palácio da Alvorada a defender o fim do isolamento social.
Moro chegou a afirmar que se manteria em silêncio caso questionado, mas que não iria contrariar suas convicções e defender algo que não acreditava. O desgaste aumentou após o então ministro defender indiretamente as medidas sanitárias recomendadas pelo Ministério da Saúde.
No último dia 2 de abril, Rosangela Moro, mulher de Sergio Moro, chegou a postar no Instagram uma foto e uma mensagem de apoio a Mandetta, que abrira franca divergência em relação a Bolsonaro.
Aliados do presidente lembram que Bolsonaro apoiou Moro quando veio à tona o teor de conversas comprometedoras em relação à Operação Lava Jato reveladas pelo site The Intercept Brasil. Ressaltam que Bolsonaro levou o ministro até a um estádio de futebol em um demonstração pública de solidariedade e reclamam que o ex-juiz não tenha retribuído o gesto durante o embate com Mandetta.
Os bolsonaristas também se queixam de medidas práticas do ex-ministro, como a acomodação de presidiários em contêineres durante a pandemia. Apoiadores do presidente defendem o confinamento dos detentos nos presídios.
Aliados reclamam ainda do desalinhamento de Moro com a agenda do presidente no que diz respeito aos costumes, como a opção por desarmamentistas para o comando do Sinarm (Sistema Nacional de Armas), responsável pelo controle de armas de fogo na população, e a nomeação, depois revogada, da cientista política Ilona Szabó para assumir uma suplência no Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.
Outra queixa refere-se ao fato de o então ministro ter optado por esquerdistas --na concepção dos aliados do presidente-- para os tribunais regionais eleitorais. Os TREs contam com dois advogados em sua composição, cujos nomes são escolhidos pelo ministro da Justiça dentro de uma lista tríplice apresentada pelos tribunais.
Com sete integrantes, os tribunais eleitorais se debruçam, por exemplo, sobre os conflitos entre candidatos e processos eleitorais. Aliados do presidente estavam contrariados com os nomes aprovados pelo Ministério da Justiça.
O entorno do presidente afirma que Moro não dava crédito ao presidente da República ao anunciar ações nas redes sociais. Na avaliação de aliados de Bolsonaro, está evidente o desejo de Moro de concorrer à Presidência em 2022. Um sinal seria a relação com o senador Álvaro Dias (Podemos-PR), com quem Moro viajava nas noites de domingo de Curitiba a Brasília.
Chegou aos ouvidos do presidente, por intermédio de um amigo, o rumor de que Moro e Álvaro Dias teriam jantado, há duas semanas, para discutir a candidatura do ex-juiz à Presidência.
Álvaro Dias nega a ocorrência de um jantar com esse propósito. Diz que não se encontra com Moro desde a eclosão da crise do coronavírus no Brasil. O senador afirma ainda que, apesar da convergência de ideias, nunca assediou Moro politicamente. Mas, se ele quiser concorrer, encontrará as portas abertas no partido.
Por Catia Seabra