"Ele [o procurador] já veio com agressões. Xingando, cuspindo, botando o dedo na minha cara", relembra o adolescente que foi agredido por um procurador do estado da Bahia.
O caso ocorreu no dia 17 maio, durante confusão em um condomínio de classe média alta, na região da Avenida Garibaldi, uma das principais de Salvador. A agressão contra o adolescente foi registrada por câmera de segurança do condomínio, que flagrou o procurador José Augusto Martins Júnior agredindo o adolescente.
A vítima contou à reportagem do Fantástico, da TV Globo, que a confusão começou depois de um desentendimento entre ele e o filho do procurador. Ainda segundo o adolescente, o filho do suspeito disse não ter gostado da forma que a vítima olhou para ele.
"'O que você está me olhando? Não estou gostando de você me olhando'. Eu falei: 'Tô fazendo nada'. Ele [filho do procurador] estava falando que eu ia ser nada na vida. Aí eu falei que ele que ia ser um nada na vida. Só repeti o que ele falou. Não houve agressão. De forma alguma toquei nele. Nem ele em mim. Ele contou para a babá dele. A babá se dirigiu ao interfone, solicitou que o pai descesse. Aí o pai dele desceu. Ele [o procurador] pediu para que o filho apontasse quem foi que estava perturbando ele, aí ele disse que fui eu e apontou para mim", relembra.
Através das imagens é possível notar que outro adolescente, que usa uma blusa verde, tenta defender o amigo assim que o procurador avança sobre adolescente. O jovem também falou sobre o caso e disse que não conseguiu ter um diálogo com o procurador.
"Ele não queria saber de conversa, o que aconteceu, nem nada. Ele simplesmente julgou que ele [o amigo] teria feito alguma coisa, agrediu o filho dele e não quis nem saber. Ele partiu para a porrada", diz o adolescente que tentou defender o amigo.
Procurador José Augusto Martins, envolvido em caso de agressão com adolescente na Bahia — Foto: Reprodução/TV Bahia |
Ainda nas imagens da câmera é possível notar que o procurador aperta o pescoço do adolescente que se desentendeu com o filho dele. O amigo disse que tentou ajudar. "Ele começou a enforcar. A única coisa que eu falava para ele era: 'Calma, tio, calma. Ele não fez nada. Calma, você resolve depois. Calma, calma, calma. Só tentando afastar', diz o adolescente.
A tentativa do amigo de apaziguar as agressões não tiveram sucesso e José Augusto é flagrado pelas câmeras d tapas e empurrões no adolescente.
"É só um garoto, calma. Fazendo assim, aqui no colo dele, no peito. Ele nem olhava. O foco dele era nele. Ele só queria ir para cima dele e agredir de toda a forma. E eu estava tentando segurar ele, mas também estava com medo dele ir para cima e bater em mim também", diz o garoto que tentou defender o amigo.
José Augusto Martins ainda segurou o adolescente pelos braços e deu mais empurrões. Outro menino, que aparece de camisa cinza nas imagens, diz que também tentou diálogo como o procurador, mas foi xingado pelo homem.
"Eu só falei: 'Calma, tio'. Aí ele começou a xingar minha mãe, me chamou de vagabundo, moleque. Falou que todo mundo que estava lá era corno", diz outro adolescente.
Nas imagens, ainda é possível ver que o porteiro do prédio chega e tenta separar a briga, mas o procurador continua as agressões verbais. "Você não mexa com meu filho", ameaçou o procurador apontando para o adolescente alvo das agressões.
Um inquérito policial foi aberto para investigar o caso."Um dos adolescentes, que estava no mesmo ambiente, ele foi ofendido moralmente. Isso corresponde ao crime de injúria. Quanto ao outro adolescente, esse se vê claramente pelas imagens que foi agredido fisicamente. Então é uma lesão corporal leve", explicou a delegada Simone Macedo, responsável pelo caso.
Delegacia de Repressão a Crimes Contra a Criança e o Adolescente (Dercca), onde é investigado o caso — Foto: Maiana Belo/G1 |
Por meio de nota enviada à imprensa, o procurador pediu desculpas pela situação. Disse que agiu por impulso ao tomar conhecimento de que o filho, uma criança especial de 11 anos de idade, estaria aos prantos após ter sido agredido pelo adolescente.
Segundo o advogado do procurador, Luiz Augusto Coutinho, o homem só quis defender o filho que seria vítima de bullying no condomínio, por ter um déficit cognitivo.
"Ele entende que se excedeu no momento, mas que, de fato, aquilo foi fruto de uma série de agressões. Foram três anos de agressões constantes. Agressões físicas e psicológicas, que foram comunicadas aos genitores dos adolescentes. Nenhuma providência foi tomada por parte deles [pais dos adolescentes]. Toda família está triste com o episódio, mas entendendo a cota de responsabilidade e disposto a apresentar suas contas à Justiça", conta Coutinho.
Mães dos adolescentes
Mães dos adolescentes envolvidos em confusão com procurador na Bahia — Foto: Reprodução/TV Bahia |
A mãe do garoto agredido, a administradora Maria Helena Macedo Malvar, conta que o filho ligou desesperado para contar sobre as agressões. "Ele gritando, chorando dizendo: ‘Minha mãe, eu apanhei. O pai de um menino aqui do prédio me bateu, veio para cima de mim, me enforcou", relembra a mãe do adolescente.
Diante do relato do filho, Maria Helena resolveu interfonar para o procurador. "Ele xingava muito comigo. Eu estava do mesmo jeito que ele, então resolvi desligar porque eu vi que não tinha condições de conversar com ele", diz.
Ao ver o vídeo, a psicóloga Denise Fortuna Marques, mãe do garoto de camisa verde que aparece nas imagens, revelou ter ficado orgulhosa do filho. "Ele quis só proteger o amigo. Quando eu chamei e disse: 'Meu filho, como é que você faz isso?'. Ele disse: 'Minha mãe, eu não podia deixar meu amigo ser agredido na minha frente'. Eu achei uma atitude nobre", relata Denise.
Agressão ficou registrada em câmera de segurança do prédio, em Salvador — Foto: Reprodução/TV Bahia |
Apesar da defesa do procurador relatar que houve bulliyng contra o filho dele os adolescentes negam. "Com a gente, nunca houve problemas com o filho dele", disse um dos adolescentes.
A mãe do garoto agredido também nega que tenha sido contatada sobre qualquer problemas de comportamento do filho dela, com relação ao filho do procurador. "O filho dele é especial. Ele deveria ter pensando primeiro no filho. Ter poupado e ter conduzido a situação de outra forma", diz Maria Helena.
A designer de interiores, Daiana Mascarenhas, mãe do garoto de cinza que teria sido xingado, condena a atitude do procurador. "Estou fatigada de inúmeras situações meu filho estar na qualidade de vítima de bulliyng, mas em nenhum dos momentos minhas intervenções foram de agressões, de intervenções negativas", conta.
O psicólogo Alessandro Marin Pietri disse que, em caso de conflito entre crianças, os pais devem discutir os problemas e soluções entre eles.
"Se houve uma violência prévia entre as crianças e que eles não conseguiram solucionar sozinhos, o ideal é que os adultos responsáveis, entre eles, pensem em medidas que possam ajudar essas crianças a solucionar esse conflito. Sob nenhuma hipótese, um adulto deve abordar uma criança de maneira violenta, porque isso não ajuda a resolver qualquer situação de violência", explicou.
Fachada do prédio onde ocorreu agressão em Salvador, na Bahia — Foto: German Maldonado/TV Bahia |
G1-Bahia