A última quinta-feira foi um dia movimentado para o vice-presidente, Hamilton Mourão. No Anexo II do Palácio do Planalto, ele passou boa parte do dia concedendo entrevistas para agências de notícias e canais internacionais. Seus assessores diziam ser um dia "atípico", dado o movimento, e afirmando que o vice respondeu a perguntas em português, inglês e espanhol.
Mourão, de 65 anos, parecia cansado quando recebeu a BBC News Brasil pouco depois das 17h30. Horas antes, a crise na Venezuela havia se intensificado, após o presidente Nicolás Maduro ter anunciado o fechamento da fronteira com o Brasil para evitar o envio da ajuda humanitária solicitado pelo autoproclamado presidente venezuelano Juan Guaidó.
Enviado pelo presidente Bolsonaro para a reunião do Grupo de Lima, que vai discutir na próxima segunda-feira a crise em Caracas, Mourão, no entanto, segue atuante na política doméstica.
Nos 24 minutos de conversa com a reportagem, ele falou sobre as denúncias de corrupção que envolvem membros do PSL, partido do presidente Bolsonaro, e sobre a Reforma da Previdência. Evitou, no entanto, falar sobre o conteúdo dos áudios de diálogos entre Bolsonaro e Gustavo Bebianno, primeiro ministro a ser demitido no novo governo.
Questionado sobre a influência dos filhos do presidente no governo, o vice disse considerar que haverá um distanciamento político natural de Carlos, Eduardo e Flávio da administração do pai.
"(Carlos) está na vibe da campanha, isso vai diminuir"
Sobre o ponto da Reforma da Previdência que altera regras da assistência social e, portanto, afeta a população mais pobre, Mourão não respondeu se considera justa a mudança.
"É a visão da equipe econômica e é a visão que o governo concordou. Agora, vai competir ao Congresso chegar à conclusão sobre se isso é factível ou não. Se o Congresso julgar que isso não é factível, vai permanecer como está", disse.
Confira os principais trechos da entrevista:
BBC News Brasil - Na sua avaliação, a situação da Venezuela, cada vez mais grave, pode resvalar para um conflito regional?
Hamilton Mourão - Eu acho que conflito regional, não. Da nossa parte nós jamais entraremos em uma situação bélica com a Venezuela, a não ser que sejamos atacados, aí é diferente, mas eu acho que o Maduro não é tão louco a esse ponto, né.
E também vejo ali do lado mais complicado, que é o lado colombiano, acho que vai ficar nessa situação de impasse, como está.
A questão interna é um problema.
BBC News Brasil - A mensagem que ele passa ao fechar a fronteira é muito forte. O que isso significa para o governo brasileiro?
Mourão - Na minha visão, ele fechou a fronteira exatamente para impedir que os venezuelanos viessem ao Brasil para pegar suprimentos. Ele quer manter o país fechado. Por que não acredito que ele imaginasse que nós entraríamos em força dentro da Venezuela - nós já reiteramos inúmeras vezes que não faríamos isso - para levar suprimentos.
BBC News Brasil- Nesta quinta, o vice-presidente dos EUA, Mike Pence, anunciou que viajará para a Colômbia para participar da reunião do Grupo de Lima - para a qual o senhor também vai. O Brasil poderia fazer parte de uma operação militar para retirar Maduro do poder ou para levar ajuda? O quão longe o Brasil iria? Como o senhor vê o papel do governo Trump nesta crise.
Mourão - Primeiramente, o Brasil tem um pensamento, há anos, de não interferir em assuntos internos de outros países. Então, não fazemos nenhum avanço militar sobre o território venezuelano. Este é o ponto principal. Nós podemos ajudar com auxílio humanitário, colocando suprimentos do nosso lado da fronteira, para que os venezuelanos possam vir para o Brasil e pegar.
Sobre o governo Trump, estão fazendo as pressões que podem, no lado político e econômico, para tentar fazer Maduro sair do país para que a Venezuela possa voltar aos eixos.
BBC News Brasil - O senhor já falou que seria o escudo e a espada do presidente Bolsonaro. Agora, com quase dois meses no governo, como é que o senhor vê o papel do vice-presidente?
Mourão - Exatamente dessa forma. Eu e o presidente procuramos nos complementar nos trabalhos que estão sendo realizados. A minha visão da função do vice-presidente é exatamente para segurar a estabilidade do país nos afastamentos do presidente, que já ocorreram nesse começo de governo. Dessa forma, nós temos mantido essa relação.
BBC News Brasil - Agora, ele deixou o senhor apenas dois dias na Presidência quando ele estava lá internado, foi uma falta de confiança? Ele ficou inclusive mais tempo internado do que o previsto. Como o senhor viu isso?
Mourão - Acho que no momento inicial ele julgava que fosse ficar pouco tempo, então ele pensou que assim que saísse da UTI, ele estaria em condições de assumir o governo. E, como não aconteceu, ele também não quis voltar atrás do que estava decidido. Acho que não teve problema nenhum.
BBC News Brasil - O presidente alegou, por meio do porta-voz, motivo de "foro íntimo" para demitir o agora ex-ministro Bebianno. Na verdade isso não é uma questão pública, em vez de íntima?
Mourão - Tudo na vida tem relacionamento. E óbvio que o presidente e seus ministros têm um relacionamento e o ex-ministro Bebianno já vinha com o presidente há algum tempo. Eu acho que essa relação veio se desgastando por diversos motivos e o ponto final, a ruptura disso aí, foi aquela... o presidente sabia da divulgação dos áudios dele, já tinham sido na realidade divulgados. Então ali ele considerou que a confiança tinha sido quebrada.
BBC News Brasil - Agora, além do ex-ministro Bebianno, a gente tem o ministro do Turismo (Marcelo Álvaro Antônio) sobre quem pesam acusações parecidas com as do ex-ministro Bebianno. O senhor foi eleito com uma chapa muito baseada na moralidade, no combate à corrupção... como o senhor vê isso com a manutenção do ministro do Turismo? Qual deve ser a resposta a essas denúncias?
Mourão - As denúncias devem ser investigadas. O presidente já determinou que a Polícia Federal investigue. Uma vez comprovada a veracidade das denúncias, que elas têm consistência, eu não tenho dúvida de que o presidente irá exonerar o ministro.
BBC News Brasil - O presidente Jair Bolsonaro sabia do uso, no PSL, desse esquema que foi denunciado de candidaturas laranja?
Mourão - Tenho absoluta certeza que não. O presidente não era o dono do PSL, era apenas um candidato do PSL e, obviamente, estava preocupado com a montagem da campanha dele. Vamos lembrar que ele era deputado federal, passou para o PSL no começo do ano passado, começou a se dedicar àquelas viagens iniciais ainda antes da campanha e quando começou a campanha para valer, que era um momento aí de distribuição de recursos, ele imediatamente sofreu o atentado e ficou dentro do hospital.
BBC News Brasil - Há uma insatisfação em diferentes meios com o papel que os filhos do presidente estão tendo no governo. O senhor avalia que essa proximidade dos filhos do presidente pode ser prejudicial para o governo?
Mourão - A família Bolsonaro é uma família unida. Isso é uma coisa bonita. Os filhos são bem sucedidos, três homens aí que se candidataram, que foram eleitos com uma votação expressiva para senador, deputado federal, vereador. Eu acho que, com o passar do tempo, cada um irá entender o tamanho da cadeira que eles têm, e vão se dedicar mais às funções legislativas para as quais foram eleitos.
BBC News Brasil - O senhor acha então que o ideal é que haja um afastamento natural deles?
Mourão - É natural. É começo de governo, eles são muito unidos em cima da figura do pai. Agora que eles estão vendo que o pai realmente está com a saúde recuperada, eu acho que isso vai ser um distanciamento normal. Um distanciamento político, não da vida pessoal, porque filho é filho.
BBC News Brasil - Quando o senhor fala no tamanho da cadeira eu penso principalmente no Carlos, que é o único que não tem um cargo federal, ele é vereador no Rio de Janeiro. O senhor está falando dele, ele é quem precisa tomar mais esse cuidado para não influenciar?
Mourão - O Carlos tem uma proximidade muito grande com o pai, ele trabalhou muito durante a campanha. Eu acho que ele ainda está naquele clima, vamos dizer assim, para usar um termo da juventude, nessa vibe, ele ainda está nessa. Mas isso vai passar.
BBC News Brasil - Na vibe da campanha?
Mourão - Na vibe da campanha, isso vai diminuir.
BBC News Brasil - Falando do Carlos, ainda, em uma entrevista à rádio Jovem Pan, o ex-ministro Bebianno insinuou que um tuíte do Carlos em novembro, em que ele dizia que alguns desejavam a morte do presidente, tinha o senhor como alvo. Qual origem desse clima de conspiração no governo?
Mourão - Eu não sei e é aquela história, eu não dou bola, não me importo com essas coisas, com esses comentários. Porque eu acho que essa questão de rede social, o pessoal escreve muito o que quer, e depois se dá conta de que depois que as palavras estão escritas, depois que saíram da boca, não podem voltar. Então eu prefiro manter um certo distanciamento disso aí.
BBC News Brasil - Esse recado também serve para o presidente, outros ministros que estão bastante ativos na rede social também?
Mourão - Não, eu também tenho a minha rede social, mas eu acho que a gente tem que pensar duas vezes antes de escrever alguma coisa.
BBC News Brasil - Depois da eleição, o senhor falou que os filhos do presidente são pessoas de boa moral e bons costumes. Considerando esse começo de ano, em que se falou muito sobre uma investigação envolvendo um ex-assessor do senador Flavio Bolsonaro, e agora todas essas questões envolvendo o Carlos, as manifestações dele no Twitter...O senhor continua com essa avaliação?
Mourão - É, eu tenho essa avaliação, eles foram bem educados, eu conheço o presidente Bolsonaro desde que esses meninos eram pequenos, conheço a mãe deles, então sei que são gente de boa índole.
BBC News Brasil - Na posse do ministro da Defesa, o general Fernando Azevedo e Silva, o presidente disse ao general Villas Bôas (ex-comandante do Exército) que ele era o responsável pela eleição da chapa dos senhores. Qual foi o papel do então comandante do Exército na eleição da chapa dos senhores?
Mourão - Vou te responder com toda sinceridade: apenas as moscas que estavam na sala devem saber, por que eu não sei qual foi a conversa que o Bolsonaro teve com o general Villas Bôas.
BBC News Brasil - O senhor não perguntou pra ele?
Mourão - É um assunto pessoal, particular.
BBC News Brasil - Muito se fala sobre as diversas alas do governo, ala militar, a ala mais ideológica, olavista, como se diz. Há os superministros, o Sergio Moro, Paulo Guedes. Existe uma disputa de poder dentro do governo? Quem vai ganhar?
Mourão - Não tem disputa de poder. Está cada um com seu nicho de mercado, cada um tem a sua responsabilidade, a sua tarefa.
Essa questão de militares, circula pela imprensa "os militares se reuniram". Ninguém se reúne aqui, só se reúne quando tem reunião do conselho de governo. Passasse uma imagem de que todo dia, na calada da noite, o (general Augusto) Heleno (ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional), o (general Carlos Alberto) Santos Cruz (ministro da Secretaria de Governo), o (almirante) Bento (Costa, ministro das Minas e Energia), o (general) Fernando (Azevedo e Silva, ministro da Defesa), nos concentramos em algum lugar para tramar o que vai ser feito no dia seguinte. Não, está cada um preocupado em cumprir a tarefa que o presidente nos designou.
BBC News Brasil - Sobre a reforma da Previdência, o senhor apresentou um cálculo de que o governo teria hoje 250 dos 308 votos necessários. Como o senhor acredita que vão conseguir os 60 votos, nesse momento delicado, com saída de ministro do Planalto?
Mourão - Isso vai ser um processo. Agora se inicia a análise de todas as nuances que estão colocadas. Teremos que trabalhar em cada uma das condições que serão montadas para analisar esse processo, conversar com os relatores, os deputados. Aqueles que tiverem dúvidas, teremos que mostrar a eles resultados positivos que virão disso aí e os negativos, se a emenda não for aprovada.
BBC News Brasil - A proposta da Previdência inclui a previsão de pagar R$ 400 para idosos de uma faixa etária que hoje tem direito a um salário mínimo. O Temer tentou alterar o BPC (Benefício de Prestação Continuada) e não conseguiu. O senhor acha justo?
Mourão - Olha, é a visão da equipe econômica e é a visão que o governo concordou. Agora, vai competir ao Congresso chegar à conclusão sobre se isso é factível ou não. Se o Congresso julgar que isso não é factível, vai permanecer como está.
BBC News Brasil - A proposta de alteração no sistema de proteção social dos militares, que equivale à Reforma da Previdência dos civis, é estudada há anos pelas Forças Armadas e está pronta. Por que não mandar junto com a Reforma da Previdência, se ela está pronta?
Mourão - Ela foi decidida no apagar das luzes da terça-feira. O que acontece é que tem que mexer em cinco leis, então está sendo trabalhado juridicamente. Tem que mexer na lei de promoção de oficiais, na lei de promoção de praças, na lei de remuneração, no estatuto dos militares. Vai ter que reescalonar carreiras, mudar interstícios de promoção, então vai levar um pouco mais de tempo para preparar.
BBC News Brasil - Mas não dá a impressão de que os militares estão sendo poupados?
Mourão - É sempre aquela dicotomia. Uma (Reforma da Previdência) é emenda constitucional, tem processo mais lento. E o projeto de lei dos militares é muito mais rápido, só necessita de maioria simples para ser aprovado. E eu tenho certeza de que dentro do Congresso existe maioria simples pronta para aprovar qualquer coisa relativa aos militares.
BBC News Brasil - Em entrevista à revista Época, o senhor sugeriu que o título de uma matéria fosse "Terá Ernesto (Araújo) condições de tocar e dizer o que é a política externa do Brasil? Porque ele não falou o que pretende fazer". O senhor continua pensando dessa forma sobre o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo?
Mourão - Não. Eu mudei meu pensamento em relação ao nosso chanceler. Ele está organizando o Itamaraty de acordo com as ideias que ele tem e está colocando foco nas diretrizes do presidente.
BBC News Brasil - Então tem duas políticas externas no governo? Enquanto o Itamaraty sinaliza com uma política de aproximação intensa com a política do governo Trump, continua defendendo a transferência da embaixada para Jerusalém e adota um discurso anti-China, o senhor se encontra com representantes de países árabes, com chineses. Existem duas políticas externas no governo Bolsonaro?
Mourão - Não existem duas políticas externas. Nós não podemos abandonar em hipótese alguma a China e o presidente sabe disso muito bem. Temos uma comissão de alto nível com a China, que é responsável por 32% das nossas exportações. Não podemos simplesmente virar as costas para a China. Em relação aos países árabes, eu os atendi pelas demandas que eles tinham. Em relação à embaixada, não tem nada decidido, vamos aguardar a decisão do presidente.
BBC News Brasil - Há uma impressão, externa, inclusive, de que o senhor é muito mais aberto, mais diplomático. É verdade?
Mourão - Eu não vejo como uma questão de diplomático. A questão é das ideias que estão sendo debatidas. Aquilo que não está decidido tem que ser discutido.
BBC News Brasil - No início do mês o senhor disse considerar que o aborto é uma "decisão da mulher", defendendo inclusive possibilidade de aborto no caso de quem não tem condições de manter o filho. A declaração causou críticas em parte dos seus eleitores? Existe alguma chance de esse assunto ser discutido neste governo?
Mourão - Não. O nosso governo é muito claro: ele é contra o aborto. E eu deixei claro ao meio de imprensa que eu transmiti de que isso é uma opinião pessoal minha, não tem nada a ver com a opinião do governo. O governo é contra o aborto.
BBC News Brasil - Durante a campanha, o senhor foi criticado por parte da imprensa após declarações polêmicas sobre a ditadura e a possibilidade de autogolpe. Depois da posse, passou a ser elogiado até por críticos do governo por diversas declarações que contradizem algumas políticas que são defendidas por outros setores do governo. O que mais do vice-presidente Mourão pode surpreender? Que visões ainda não vieram à tona?
Mourão - As pessoas não me conhecem. Essa é a questão. As pessoas têm a mania de rotular por um ou outro pensamento que você coloca. A questão da ditadura, como é chamada, eu não canso de dizer: eu não era vivo na época do Getúlio (Vargas). Então é uma questão até que tem que ser estudada e debatida. O autogolpe, se assistirem à entrevista, vão ver que era em situação hipotética, delineada por um jornalista, aí quando ele fez a menção sobre determinado momento que ocorreria, eu disse "mas isso é um autogolpe". Não que eu tivesse pregado um autogolpe.
Então o que as pessoas devem esperar de mim são posicionamentos coerentes com aquilo que adquiri ao longo da minha vida. Eu acredito plenamente no liberalismo econômico, acredito que a democracia é o melhor sistema de governo para um país e acredito que nosso governo tem as condições de recolocar o Brasil no trilho e num projeto que nos leve realmente avante.
BBC News Brasil - O senhor falou que tem opinião pessoal sobre aborto. Qual é?
Mourão - Já foi exprimida.
BBC News Brasil - Nos áudios com Bebianno, o presidente cita a Globo e usa a palavra "inimiga", e demonstra preocupação com como outras emissoras poderiam ver um representante da Rede Globo dentro do Palácio do Planalto. Como o senhor vê que grupos de comunicação sejam classificados como inimigos e, portanto, como amigos também?
Mourão - Não vou entrar na discussão do mérito do que o presidente falou porque não compete a mim esse tipo de comentário. A única coisa que eu deixo claro é o seguinte: isso era uma conversa privada, entre o presidente e o ministro, se referindo a uma terceira pessoa. Então jamais poderia ter sido divulgada.
BBC News Brasil - Nos Estados Unidos, o vice de Obama, Joe Biden, é cotado como forte candidato às eleições presidenciais. O senhor pensa após o governo Bolsonaro em se candidatar à Presidência?
Mourão - Não, não penso. A minha visão, quando eu passei para a reserva, no começo do ano passado, era residir no Rio de Janeiro, na minha casa, onde nunca tinha conseguido morar, ser presidente do Clube Militar, que fui eleito.
Ocorreu que o presidente Bolsonaro me sinalizou que poderia precisar de mim em algum momento e pediu que eu me filiasse a algum partido político. Foi o que eu fiz e acabou acontecendo essa situação, de eu ser vice na chapa dele.
Óbvio que, ao término deste mandato, se ele concorrer à reeleição e quiser que eu ainda esteja com ele, eu o acompanho. Caso contrário, eu retorno para a minha vida de aposentado.
Fonte: BBC Brasil