A barragem estava ali antes mesmo do autônomo Magno da Silva, 31 anos, nascer. Ele, que morou a vida inteira no bairro de Nazaré, em Jacobina, na Chapada Diamantina, nunca teve medo. Sequer tinha pensado na possibilidade de um acidente – até 2015, quando rompeu a barragem de Fundão, em Mariana (MG). Na sexta-feira (25), com o rompimento de mais uma barragem mineira, dessa vez, em Brumadinho, a população ficou alarmada. 

Das 34 barragens de rejeitos de mineração na Bahia registradas junto à Agência Nacional de Mineração (ANM), as de Jacobina, de minério de ouro, causariam mais estragos, em caso de rompimento. Não há sirenes na cidade nem nenhuma outra forma de aviso para evacuação.

Presidente da Associação de Moradores do bairro de Nazaré, Magno diz que não pensa em sair da cidade natal, mas afirma que há uma preocupação:

“Ninguém pensa em sair daqui por conta de barragem, não. Ouvi no rádio a empresa falando que estava tudo em ordem e que a barragem está monitorada. Eles acalmaram o pessoal, mas a gente não deixa de ficar preocupado”, diz.

Em cidades como Jacobina, as notícias sobre a tragédia em Brumadinho, em Minas Gerais, não provocam apenas consternação. A cada atualização sobre o rompimento da barragem, que deixou pelo menos 65 mortos e 279 desaparecidos, mais temor.

Jacobina tem duas barragens de rejeitos de mineração, assim como a que rompeu em Brumadinho. Em todo o estado, são pelo menos 34, de acordo com a última lista publicada pela Agência Nacional de Mineração (ANM), divulgada este mês. No levantamento, há 33 estruturas localizadas. Além delas, existe, em Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador (RMS), uma barragem para rejeitos da extração de manganês. 

Só que as de Jacobina seriam as mais preocupantes delas – justamente por serem parecidas com a de Brumadinho, localizadas em regiões mais altas, o que torna a queda do material mais violenta do que se fosse em um terreno plano.

Além disso, há outra semelhança. De acordo com o engenheiro de minas José Baptista de Oliveira Júnior, professor da Escola Politécnica da Universidade Federal da Bahia (Ufba), Jacobina e Brumadinho têm em comum o fato de terem barragens construídas com os próprios rejeitos. 

“Além disso, a jusante (o lado em direção à foz) da de Jacobina está em um vale muito grande e ainda há muitas pessoas que moram lá, apesar da empresa ter comprado terrenos e casas e indenizado esse pessoal para morar em outro lugar, exatamente com a preocupação com a possibilidade de romper. Mas nem todo mundo saiu”, explica o professor, em entrevista ao CORREIO.

Barragens de rejeitos da Yamana Gold em Jacobina; quais os riscos?

Embora existam semelhanças, as barragens também apresentam diferenças significativas. A de Brumadinho é feita com alteamento a montante, enquanto as de Jacobina têm alteamento a jusante. O alteamento a montante é o método mais antigo e que ainda é o mais comum. Nesse sistema, a barragem vai crescendo - com os próprios rejeitos - aos poucos. É mais barata e mais rápida para ser construída, mas é bem mais instável. Há, ainda, a possibilidade de liquefação. 

Já a de Jacobina exige mais material de construção para erguer uma parede de contenção. É um método mais seguro, mais resistente a atividades sísmicas, mas é mais caro, devido à quantidade de material necessário.


Mesmo assim, a maioria das barragens de rejeitos da Bahia é considerada mais segura do que as de Jacobina, segundo o professor José Baptista de Oliveira Júnior. Isso porque a maior parte delas foi erguida com outro método construtivo: são barragens de contenção de rejeitos. É o caso da de Itagibá, no Sul do estado. Os riscos, porém, sempre vão existir.

“Na Bahia, não temos motivo para pânico. Não posso botar a mão no fogo por ninguém. Agora, dentro do que nós conhecemos, dentro dos tipos de barragem, é mais difícil acontecer rompimento. Mas não quer dizer que não possa acontecer”, pondera. 
O gerente geral da mineradora Yamana Golden em Jacobina, Sandro Magalhães, afastou o risco de um acidente. A empresa informou, por meio de nota, que a barragem B1 está inativa desde 2011 e a B2, ativa desde 2011, atualmente utiliza 24% de sua capacidade total.

O prefeito Luciano Pinheiro destacou que o município deve investir R$ 1,5 milhão para instalar sirenes para evacuação, em caso de risco.

Na Bahia, há precedentes de rompimento de barragens de água. Em maio de 1985, a Barragem Santa Helena, em Camaçari, rompeu após seguidos dias de chuva. O governo do estado vinha retirando os moradores do local, mas, ainda assim, pelo menos 100 famílias tiveram suas casas atingidas e cerca de cinco mil ficaram desabrigadas.

Entenda diferenças entre Bahia e Minas Gerais

O método de construção de barragens de Minas Gerais não é tão comum na Bahia. Ao contrário do que acontece em terras baians, boa parte das estruturas mineiras é construída em encostas, devido ao próprio relevo acidentado. 

As regiões baianas onde há exploração de mineração, por outro lado, são predominantemente planas. “Diminui esse impacto. Se você tem uma água em cima e cai, a gravidade vai ajudar. Se a água já está embaixo, ela também vai cair, mas a velocidade é bem menor do que se estiver no alto”. 

Barragens de água 

Ao todo, são pelo menos 426 barragens na Bahia – entre estruturas de água e de rejeitos de mineração. As informações sobre o estado dessas barragens são difusas: em 2018, dois relatórios distintos apontavam números diferentes. No mais recente, de novembro, a Agência Nacional de Águas (ANA) indicou que, entre as barragens de água, a Bahia tinha a situação mais preocupante do país. 

Das 45 mais vulneráveis apontadas pelo relatório, 10 estavam na Bahia. Em seguida, vinham Alagoas (6) e Minas Gerais (5). Só que, dois meses antes, a Confederação Nacional dos Municípios divulgou um levantamento com dados do Sistema Nacional de Informações sobre Segurança de Barragens e da ANA, que mostrou um quantitativo bem maior: 186 barragens baianas tinham alto risco associado com danos em potencial. 

Das 10 barragens classificadas como de alto risco no estado, as mais próximas da capital são localizadas em Camaçari, Região Metropolitana de Salvador. A RS1 e RS2 foram consideradas preocupantes por conta de comprometimento estruturais.

De acordo com o balanço da ANA, que considerou dados de 2017, a RS1 apresentava afundamentos, buracos, deterioração da superfície de concreto, infiltrações e até formigueiros e árvores no coroamento e talude de jusante. Já na RS2 foram apontadaas deterioração da superfície de concreto e árvores e arbustos nos taludes de montante, jusante e coroamento.

Em nota, a Cetrel S/A - Tratamento de Efluentes Líquidos e Resíduos Industriais, responsável pela barragem, afirmou que as duas armazenam água para "eventuais situações de combate a incêndio no Polo Industrial de Camaçari". Diz ainda que a empresa tem investido nos últimos anos na segurança e confiabilidade das barragens.

"Em 2017 e 2018 foram realizados serviços de adequação nestas barragens no montante de 1,5 milhões de reais, sendo previstos novos investimentos em 2019 com o objetivo de conferir ainda mais robustez e segurança ao sistema”, disse a nota. 

A empresa ainda acrtescentou que técnicos da empresa realizam inspeções periódicas para “assegurar a integridade das barragens” e que uma avaliação realizada recentemente classificou o local como "estável" e que "há segurança dos reservatórios".

Para discutir sobre a real situação das barragens, o Conselho Regional de Engenharia e Agronomia da Bahia (Crea-BA) e outras entidades promovem, nesta terça-feira (29), um debate técnico com a participação de representantes de todos os órgãos responsáveis pelas estruturas no estado. 

“Por lei, toda barragem agora tem que ter um dono e informar à ANA a situação das barragens. Tem que ter um laudo a cada seis meses ou um ano para dizer o que está sendo feito e minimizar os riscos”, avalia o presidente do Crea-BA, Luís Edmundo Campos. 

De acordo com Campos, o número de barragens no estado é muito maior do que o cadastrado nos órgãos responsáveis. No interior, é comum que fazendas tenham pequenas barragens particulares. Ele explica que, até a tragédia de Mariana, em 2015, as de água sempre foram consideradas mais perigosas do que as de rejeitos. 

“Mariana veio mudar nossos paradigmas e mostrou o que ninguém esperava: um material caminhar por 300 quilômetros para cair no mar”, explica.

Pela estrutura em si, uma barragem de água poderia ser mais perigosa. No entanto, o risco é relativo a partir do momento em que as de rejeitos de mineração não são fiscalizadas da mesma forma. 

No entanto,o presidente do Crea-BA acredita que, após as situações em Mariana e Brumadinho, a forma como as barragens de rejeitos são encaradas deve ter mudanças.

“As pessoas não dão a devida atenção. Mas tem outra coisa: a gente fica culpando a fiscalização, mas a ética profissional diz que você deve fazer bem feito, independentemente de fiscalização. Só que, às vezes, a parte empresarial acaba sendo maior do que a engenharia da segurança”, aponta. 

Embasa nega risco

Apesar de Luís Edmundo Campos afirmar que as barragens de água oferecem um maior risco, quando considerada a estrutura em si, o coordenador de Segurança de Barragens da Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa), Lúcio Landim, nega. “Não existe isso. Se fizer um balanço dos acidentes, um percentual significativo será de barragem de rejeito, justamente por conta da técnica construtiva diferente”, disse.

De acordo com ele, a barragem de água é realizada em uma só etapa, com tratamento da fundação, aterro, obras de concreto.

“A barragem de rejeito é uma colcha de retalhos. As mineradoras, para economizar, fazem a primeira etapa e, quando está exaurindo a barragem, elas fazem o alteamento com um material diferente”, esclarece.

As barragens de água são construídas para uma demanda de 30 anos. Apenas uma barragem da Embasa foi alteada após os 30 anos: a de Itabera, que atende a Ilha. O fato da existência de pessoas próximas da jusante da barragem, significa que, geralmente, a matriz de risco e o dano potencial da barragem são elevados - o que não é mensurado pelas agências reguladoras.

A Embasa possui 27 barragens enquadradas na Lei 12.334/2010, que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens. Outras consideradas “muito pequenas” também são administradas pela empresa, mas elas não têm obrigatoriedade de estudos. Todas as barragens da empresa são consideradas de risco baixo ou médio.

“Fazemos inspeções regulares, semestralmente. Além dessas, existem inspeções rotineiras realizadas pelas equipes de campo locais e inspeções especiais, quando há necessidade, com especialistas. Os reservatórios administrados pela Embasa estão em boas condições de segurança”, explicou Lúcio Landim. A empresa ainda elabora estudos e relatórios que compõem os Planos de Segurança de Barragens.

Das 27 barragens da empresa, 20 estão no interior e 7 na Região Metropolitana de Salvador. As do interior são distribuídas, sendo 14 na região Sul e 6 na região Norte do estado.

Barragens estáveis 

Em Jacobina, a Yamana Gold, detentora da Jacobina Mineração e Comércio, garante que as barragens de rejeitos da empresa estão seguras e operando de acordo com o projeto, segundo o relatório externo de segurança de barragem e a declaração de estabilidade enviados à Agência Nacional de Mineração (ANM), em setembro do ano passado. 

“A barragem B1 não recebe rejeitos desde 2011 e encontra-se em processo de fechamento, por meio de cobertura, revegetação e posterior reintegração ao meio ambiente. Já a barragem B2, ativa desde 2011, atualmente utiliza 24% de sua capacidade total”, informam, em nota enviada ao CORREIO.

Além de ressaltar o método de alteamento a jusante, a Yamana afirma, ainda, que faz análises técnicas diárias, relatórios de segurança mensais e auditorias anuais. “Em nenhuma das barragens da empresa há pontos críticos ou condições que denotem alguma anomalia. O comportamento e a performance das barragens encontram-se dentro do esperado, com pleno atendimento aos requisitos técnicos e legais. Reiteramos que, diante do exposto, as barragens da Yamana apresentam-se em condição de estabilidade”.

Fonte: Correio 24H

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