Os três primeiros dias depois da votação do último domingo deram a dimensão dos desafios que Fernando Haddad terá de enfrentar para tentar virar o jogo e derrotar Jair Bolsonaro. A primeira pesquisa eleitoral do segundo turno mostrou que o candidato do PSL tem larga vantagem sobre o presidenciável do PT. Além do mais, a estratégia do petista de montar uma ampla frente em defesa da democracia já encontrou dificuldades entre os aliados mais próximos: nesta quarta-feira, Ciro Gomes (PDT), que terminou o pleito com mais de 13,3 milhões de votos, declarou um "apoio crítico" a Haddad. Trata-se de um endosso com gosto amargo, já que aliados do ex-prefeito de São Paulo passaram os últimos dias tentando convencer o pedetista a entrar de cabeça na campanha, contando com seu engajamento para ampliar a transferência dos seus eleitores para o representante do PT.

O Ciro não subirá em nenhum palanque. Nós somos mais um voto contra o Bolsonaro, aos riscos que ele representa, do que ao Haddad - disse Lupi, segundo o jornal Folha de S. Paulo.

O fato de que Ciro não fará campanha ombro a ombro com Haddad restringiu o arco de alianças que o ex-prefeito tenta montar para enfrentar o segundo turno. Ele recebeu declarações de apoio do candidato do PSOL à presidências, Guilherme Boulos, e se reuniu com os governadores do Partido Socialista Brasileiro (PSB). Voou a Brasília nesta quarta e se encontrou com o presidente nacional dos socialistas, Carlos Siqueira, de quem também obteve o endosso. Mas são entendimentos limitados à esquerda e que se mostram insuficientes diante da distância que ele precisa percorrer para alcançar Bolsonaro: segundo o instituto Datafolha, o militar reformado do Exército tem 58% dos votos válidos, 16 pontos porcentuais a mais do que tem Haddad. Ou seja, venceria com folga caso a eleição fosse hoje.
Para além dos partidos tradicionalmente mais alinhados ao PT, Haddad tenta também obter apoios pontuais entre integrantes de legendas de centro que rechaçam a extrema direita representada por Bolsonaro e seu largo histórico de ofensas a minorias e de apologia à ditadura militar. O principal objetivo dessa aproximação, que está sendo conduzida pelo ex-governador da Bahia e agora senador eleito Jaques Wagner, é conseguir algum tipo de endosso por parte de personagens históricos do PSDB, sendo o mais importante deles o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Não por acaso, o próprio Wagner usou sua conta no Facebook para comparar o momento atual com o do movimento das Diretas Já e disse que era preciso criar uma espécie de "plataforma democrática" no Brasil.

Acontece que a formação dessa frente democrática não é simples. A maioria dos quadros do PSDB, incluindo aí os candidatos a governador que disputam o segundo turno, hoje estão muito mais próximos de Bolsonaro. Boa parte dos políticos do PSDB assistiu a onda Bolsonaro amealhar eleitores de direita que antes votavam nos tucanos, o que torna impensável qualquer tipo de conversa com o PT. Já os tucanos que, segundo os petistas, poderiam dar alguma sinalização pró-Haddad perderam influência dentro das filas partidárias. São nomes como os do ex-ministro José Gregori e do ex-governador de São Paulo Alberto Goldman, que hoje têm um peso muito mais simbólico do que prático.

"Anos e anos nós fomos oposição ao PT. Apresentamos nossas razões, brigamos contra eles e dissemos o que estavam fazendo, o desastre a que estavam levando o país. Finalmente esse desastre foi de tal monta e gravidade que o PT conseguiu produzir neste país uma direita que não existia. Conseguiram dar luz a um Bolsonaro e a todo o fascismo que existe hoje", declarou Goldman ao EL PAÍS. O ex-governador avaliou que até o momento o PT ou Haddad não deram nenhuma demonstração de que estão dispostos a estabelecer um diálogo possível com seus antigos opositores —"O que eles fizeram foi dizer que não vão lutar pela Constituinte, algo que sequer é convocável. Recuaram de uma coisa que não existe. Ou seja, até agora nada —, mas deixou a porta aberta. "Se apresentaram ao Brasil uma revisão, uma análise do que fizeram e um projeto de país outro, isso pode ser discutido por todos nós. Não tem nada a ver com o Jaques Wagner ou quem quer que seja". Nesta quinta, uma ala à esquerda do PSDB deve declarar voto em Haddad.

‘101%’

A ampliação do arco de alianças para além dos parceiros históricos do petismo é considerada fundamental por alguns dos assessores próximos a Haddad, que acham que a campanha precisa ganhar as feições de uma coalizão contra o autoritarismo de Bolsonaro. "A gente precisa do Ciro. Não precisamos só de 80% ou 70% dos votos dele, a gente precisa de 101%", diz o ex-ministro das Relações Exteriores Celso Amorim. "É preciso que ele esteja engajado na campanha, não basta que diga só apoio crítico".

Amorim defende que, para isso, Haddad incorpore no programa de governo propostas dos demais presidenciáveis, inclusive as do tucano Geraldo Alckmin. "E eu acho que a gente tem que aproximar na conversa e no diálogo, mas também em propostas concretas. Por exemplo: qual a diferença entre o que o Haddad está falando, de fortalecer Polícia Federal, e a [criação de uma] Guarda Nacional [proposta por Akcmin]? Eu acho que deve ser perfeitamente compatível". Além de ajustes no discurso, há pistas nas declarações de potenciais aliados sobre quais mudanças nas propostas petistas poderiam atrair novos nomes à frente que Haddad quer formar: além de mudança em propostas econômicas, com o reconhecimento cabal da crise fiscal e o endosso da necessidade de algum modelo de reforma da Previdência, o repúdio direto ao regime Maduro na Venezuela e a renúncia de uma proposta de regulação da mídia estão entre os pontos cruciais em uma negociação.

Outro petista fortalecido nas eleições, o governador reeleito do Ceará, Camilo Santana, também cobrou uma campanha que se apresente como maior do que o PT. "O Haddad tem de se apresentar não como candidato simplesmente do PT, mas como alguém acima do PT. Tem de se colocar como nome disposto a dialogar com todos os segmentos e unir o país", disse à Folha no começo da semana.  "(Tem de) fazer um aceno ao mercado, garantir respeito aos contratos e passar credibilidade", continuou Camilo, que também é aliado de Ciro Gomes.

Haddad ainda não desistiu completamente de ter um apoio mais explícito de Ciro e destacou emissários para reforçarem o convite. No meio tempo, ele tenta costurar o apoio de outros setores da sociedade. Na manhã desta quinta, Haddad tem uma reunião com dirigentes da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) em Brasília. A cúpula da Igreja Católica não se manifesta em favor de um candidato ou outro durante o processo eleitoral, porém a entidade assumiu um tom mais enfático nos últimos dias. O secretário-geral da CNBB, dom Leonardo Steiner, pediu em entrevista ao portal UOL que os católicos observem se os candidatos "pregam mais ou menos democracia". Com a longa folha de Bolsonaro de defesa da ditadura militar, o recado parece ter endereço certo.

A aproximação com os bispos católicos é importante para Haddad. Bolsonaro conseguiu reunir um amplo apoio de lideranças evangélicas que, diferente da postura de neutralidade da Igreja Católica, trabalham abertamente para elegê-lo. Os resultados são evidentes. Segundo o Datafolha, o capitão reformado do Exército tem a preferência de nada menos do que 60% do eleitorado evangélico, contra 26% de Haddad. Mesmo entre os católicos os números estão 46% a 40% para Bolsonaro. Com pouco mais de duas semanas até o final das eleições, reduzir esse placar é fundamental se Haddad quiser chegar no dia 28 com alguma chance de sobrevivência. Algo começou a ser mover na sigla na direção que desejam parte dos petistas e potenciais aliados: o PT abandonou o vermelho e lançou um logotipo de Haddad com as cores verde e amarela.

Fonte: El País

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