A 14ª Coordenadoria de Polícia do Interior, em Irecê, no Centro-Norte da Bahia, terminou 2017 com 179 homicídios, 111 tentativas do mesmo crime, 101 estupros e 317 roubos/furtos de veículos. Mas apurar esses crimes tem sido uma tarefa difícil para os policiais, pois eles têm de dividir o trabalho entre a investigação e a carceragem da prisão, onde havia ontem 70 presos num local onde cabem só 28.

Policiais civis acompanham presos durante transferência (Foto: Marina Silva/ Correio)

Era para não ter nenhum preso na carceragem se o governo da Bahia seguisse a recomendação de 2012, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), para desativação das cadeias em delegacias espalhadas pelo estado.

Nas carceragens baianas há mais de 3 mil presos atualmente, cuja custódia é feita por cerca de 40% do efetivo de policiais civis baianos, de pouco mais de 8.500, segundo informou o Sindicato dos Policiais Civis do Estado da Bahia (Sindpoc).

"É impossível conciliar as duas coisas, então o que ocorre é que o policial está em desvio de função, fazendo a carceragem de presos, quando deveria estar investigando crimes”, disse o presidente do Sindpoc, Marcos de Oliveira Maurício.

Um policial de Irecê, que preferiu não ter o nome divulgado, falou sobre a situação: “Aqui temos policiais que ficam na área administrativa e outros que se revezam na investigação e que fazem o plantão. Quase todos auxiliam com os serviços da carceragem, sobretudo em dias de visitas, quando tem de ser feita uma grande mobilização para fazer as revistas, de pessoas e dos alimentos que entram”, disse o policial.

“Como aqui tem muitos presos, temos que redobrar o cuidado para não entrar uma arma branca ou de fogo, dentre outros objetos, como drogas e celular. Não temos funcionários fixos para fazer a carceragem, vamos nos alternando, enquanto também fazemos investigações. Se dividir entre as duas tarefas prejudica muito”, conclui.

Sem julgamento

Em Feira de Santana, a Delegacia de Repressão a Furtos e Roubo de Cargas em Rodovias (Decarga) tem hoje 23 presos numa cela projetada para abrigar 16 pessoas – são presos provisórios que aguardam julgamento e que deveriam estar no presídio.

“Os policiais não deviam estar custodiando presos, deveriam estar nas ruas investigando. A custódia deles traz à tona um grande risco: em caso de fuga, os presos podem ter acesso às armas apreendidas e também às dos policiais que ficam na unidade. Isso já aconteceu algumas vezes no estado. Sem falar no risco de contrair doenças mantendo contato constante com os presos”, disse o delegado Gustavo Coutinho. Ainda segundo o delegado, o excesso na custódia da Decarga está relacionado com a interdição do Conjunto Penal de Feira de Santana.

Já o presídio da cidade está interditado e não pode mais receber presos por determinação judicial. A unidade prisional está com 1.927 detentos, mas a capacidade é para 1.356.

Lotação

O correto é tirar os presos das carceragens e colocá-los em presídios, mas isso gera outro problema, porque o sistema prisional baiano, com 26 unidades, tem capacidade para 12.095 detentos, mas abriga (até 16 de maio, última atualização) 15.209.

Do total de presos, 51% (ou 7.814) ainda não foram sentenciados pela Justiça Criminal, e nem há previsão por parte do Tribunal de Justiça da Bahia de quando algo será feito para acelerar os processos criminais.

O CNJ também não prevê ação emergencial. Por enquanto, o órgão está fazendo a coleta de dados sobre quantitativo de presos nos estados e só fará avaliações quando a coleta for concluída e cuja previsão era no final de maio.

Cadeia na Mata Escura; policiais de Salvador também se queixam da quantidade de presos nas delegacias  (Foto: Correio)

Sem alternativa

O problema não se restringe ao interior do estado. O Correio conversou ontem com alguns agentes e delegados para entender o cenário. Na 27ª Delegacia (Itinga), um policial falou sobre a realidade na unidade. “Aqui, além de tomar conta, a gente tem que levar o preso para audiências judiciais, para atendimento médico e cuidar da visitação deles. Nisso, a gente deixa de entregar intimações, de atender a população que vem à delegacia, por exemplo. Isso é desvio de função”, disse o policial, que também não se identificou, temendo alguma represália.

Ele disse ainda que, às vezes, três dos quatro policiais que ficam no Serviço de Investigação (SI) levam presos para as audiências de custódia ou outra situação que necessita da presença do preso na Justiça. “As investigações, com isso, são interrompidas no dia”, afirmou. 

Procurado também pelo Correio, o delegado ACM Santos, titular da 9ª Delegacia (Boca do Rio), disse que, em Salvador, os presos não passam de 24 horas nas delegacias devido às audiências de custódia. No entanto, ele disse que o transporte de presos é “inerente ao policial civil”. “Não estou dizendo que é uma função do policial civil, mas será de quem? Enquanto o flagrante não é homologado, ele está à disposição da Polícia Civil. Não vejo outra alternativa. Até o flagrante não ser homologado, partindo do princípio de que pode converter numa prisão preventiva, o preso não pode ser encaminhado para o sistema prisional, é a minha visão técnica. Só quem tem o poder de decretar a prisão é o juiz”, explicou o delegado.

Discórdia

O governo da Bahia até que tem criado mais vagas no sistema carcerário, com a construção de presídios, mas o modelo de administrar essas unidades prisionais, por meio da cogestão, tem causado problemas ao governador Rui Costa (PT).

Isso porque está valendo a decisão da 5ª Vara do Trabalho, que determina que o estado não contrate os chamados agentes de disciplina, via licitação, por considerar “a terceirização muito grave”.

Com a decisão, o governo estadual está sem poder inaugurar dois presídios: o de Irecê e o de Brumado, que estão prontos há mais de um ano e, juntos, somam 1.066 vagas ao sistema carcerário.

“Enquanto não inaugura o presídio, a gente deixa de investigar para cuidar de preso”, comentou um policial de Irecê, que não quis se identificar. Em Brumado, a carceragem local tinha 30 presos no fim de maio, num local feito para 24.

Outro lado

A Secretaria da Segurança Pública (SSP-BA) declarou que, nos últimos 11 anos, mais de 6 mil vagas foram criadas no sistema prisional baiano, com inaugurações de novas penitenciárias, além da ampliação e reformas das estruturas que já existem.

“Isso permitiu praticamente zerar o número de criminosos custodiados em delegacias de Salvador, Região  e da região Oeste”, afirma a pasta, em nota.

A SSP destaca “o comprometimento do governo do estado em garantir que delegados, escrivães e investigadores atuem apenas na elucidação de crimes e lembra que a eficiência da polícia baiana resulta em 44 criminosos presos por dia, em 2018”.

Fonte: Correio

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