Da noite para o dia, a pequena comuna italiana de Ospedaletto Lodigiano, onde o censo registra 1.574 moradores, passou a ter 1.188 brasileiros inscritos como residentes. Não demorou muito para que esses números desproporcionais chamassem a atenção das autoridades locais e fizessem com que a prefeitura cancelasse a cidadania conferida a esses mais de mil brasileiros. A fraude é velha conhecida no país: há empresas contratadas por estrangeiros para intermediar a obtenção da cidadania italiana que pagam propina a funcionários públicos para que estes agilizem o processo, falsificando a residência no país para isso.
Dois agentes públicos são acusados de atuar nesse esquema com um casal de brasileiros. A investigação começou em meados do ano passado, e o anúncio da suspensão dos documentos foi feito apenas este mês. Segundo a agência italiana Ansa, os processos cancelados foram abertos entre os anos de 2015 e 2017.
Maioria é de São Paulo
Na lista dos brasileiros que tiveram a cidadania italiana cancelada, há 18 da cidade do Rio de Janeiro; 44 de Belo Horizonte; 30 de Curitiba; 39 de Campinas; 15 de São Bernardo do Campo, entre vários outros municípios. A cidade de São Paulo ocupa o topo da listagem: mais de 400 residentes na capital paulista aparecem incluídos no esquema. Alguns conseguiram obter o atestado de residência em Ospedaletto Lodigiano sem sequer ter pisado na comuna.
A Itália virou nos últimos anos, um dos países mais procurados por brasileiros atrás de dupla cidadania. Quem é filho ou neto de italiano pode requerer o documento junto ao consulado do país no Brasil e, nesse caso, todo o processo é feito aqui, sem a necessidade de a pessoa viajar até a Itália. Entretanto, devido à grande procura, as filas têm feito com que o processo demore anos. A segunda opção é dar entrada no pedido de cidadania diretamente do país europeu: o solicitante precisa viajar até a Itália, levando consigo os documentos que comprovem sua ascendência, e inscrever em seu processo um endereço italiano — pode ser uma casa alugada por ele ou uma residência na qual esteja hospedado. Não é exigido um tempo mínimo de permanência na Itália. Basta o registro de um endereço.
Todas as cidades do país — são mais de oito mil — podem fazer esse reconhecimento de cidadania. A deputada italiana Renata Bueno, que é também brasileira, destaca que as fraudes são comuns em cidades pequenas, pela maior facilidade de se corromper funcionários das prefeituras.
— Esse tipo de cidade é o mais procurado por pessoas com esquemas fraudulentos. Em compensação, é onde mais chama atenção — afirma ela.
Segundo Renata, fraudes assim quase não são vistas quando se trata de outras nacionalidades:
— É algo muito característico de brasileiros. Eu atribuo isso ao fato de o processo de obtenção de cidadania italiana nos consulados do Brasil ter se tornado extremamente demorado. Algumas pessoas levam dez anos até conseguir a cidadania. Então, por desespero, acabam recorrendo a empresas e assessorias que não são corretas, que prometem levar a pessoa à Itália e resolver tudo em uma semana. Mas é preciso saber que, legalmente, é impossível que o processo seja tão rápido. No mínimo, leva 60 dias — ressalta a deputada.
‘Operação carioca’
Em maio do ano passado, policiais da comuna italiana de Augusta prenderam sete pessoas acusadas de favorecer ilegalmente a cidadania de cerca de 500 brasileiros. Apenas dois meses mais tarde, a Guarda de Finanças da cidade de Lodi realizou uma operação batizada de “Carioca”, que desmantelou um esquema ilegal de cidadania. Outros 500 brasileiros estavam envolvidos.
Fonte: Agência Brasil