A secretária nacional de Direitos Humanos do governo Michel Temer, Flávia Piovesan, divulgou nota pedindo a revogação da portaria do Ministério do Trabalho que dificulta a punição do trabalho escravo. Flávia é presidente da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae). Na nota, Flávia afirma que a portaria ‘compromete a execução da política de combate ao trabalho escravo’.
“A portaria reduz drasticamente o alcance do conceito de trabalho escravo, ao praticamente limitá-lo às situações de restrição de liberdade e de escolta armada, esvaziando o núcleo elementar de condições degradantes e jornada exaustiva, em direta ofensa ao artigo 149 do Código Penal”, afirma a secretária de Direitos Humanos.
Ela cita outros pontos que atrapalham a execução das ações de fiscalização, como a exigência de Boletim de Ocorrência para validar o relatório de fiscalização de trabalho análogo ao de escravo. “Essa regra limita a competência do auditor fiscal do trabalho e condiciona a fiscalização do trabalho escravo à atuação policial.”
A nota também alerta para o grave risco que a portaria impõe para a ‘lista suja’ de trabalho escravo, já que ela determina que ‘o nome do empregador só irá para o Cadastro de Empregadores autuados por trabalho análogo ao de escravo, se e somente se, houver determinação expressa do Ministro do Trabalho’.
A Secretaria de Inspeção do Trabalho, do Ministério do Trabalho, também divulgou memorando nesta segunda-feira pedindo a revogação da portaria. Assinado por João Paulo Machado, secretário substituto de Inspeção do Trabalho, o memorando afirma que a área técnica não teve conhecimento da elaboração do documento nem participou de nenhuma discussão sobre as mudanças.
Em nota, o Ministério do Trabalho afirma que a portaria “aprimora e dá segurança jurídica à atuação do Estado brasileiro, ao dispor sobre os conceitos de trabalho forçado, jornada exaustiva e condições análogas à de escravo, para fins de concessão de seguro-desemprego ao trabalhador que vier a ser resgatado em fiscalização promovida por auditores fiscais do trabalho, bem como para inclusão do nome de empregadores no Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores à condição análoga à de escravo”.
Veja abaixo a íntegra da nota da Conatrae:
NOTA PÚBLICA sobre a Portaria 1.129/17 do Ministério do Trabalho
Na qualidade de Presidente da Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo – CONATRAE, venho expressar profunda preocupação relativamente à Portaria 1.129/17, editada pelo Ministério do Trabalho e publicada no Diário Oficial do União, de 16 de outubro de 2017.
A Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo, instância responsável pelo acompanhamento do II Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo, tem impulsionado, desde março de 2017, uma agenda de reuniões extraordinárias com diversos segmentos, incluindo vários representantes do setor patronal, acerca da necessidade de aprimoramento do Cadastro de Empregadores com regras ainda mais consistentes e critérios sólidos que embasem a atuação qualificada dos auditores fiscais do trabalho – com previsão de reunião para o próximo dia 1o de novembro, para discutir especificamente o conceito de trabalho análogo ao de escravo.
A pretexto de regulamentar o art. 2-C da Lei 7.998/90 – que prevê o pagamento de seguro desemprego aos trabalhadores resgatados do trabalho escravo – a nova normativa compromete a execução da política de combate ao trabalho escravo.
A Portaria 1.129, por meio de seu art. 1o, reduz drasticamente o alcance do conceito de trabalho escravo, ao praticamente limitá-lo às situações de restrição de liberdade e de escolta armada, esvaziando o núcleo elementar de condições degradantes e jornada exaustiva, em direta ofensa ao artigo 149 do Código Penal.
A portaria ainda estabelece que somente será válido para fins de constatação de trabalho análogo ao de escravo o auto de infração em que constar, obrigatoriamente, os seguintes itens: “a) existência de segurança armada diversa da proteção ao imóvel; b) impedimento de deslocamento do trabalhador; c) servidão por dívida; d) existência de trabalho forçado e involuntário pelo trabalhador.” Na prática, essas exigências reduzem a caracterização de trabalho escravo a alguns casos específicos e extremos.
A nova Portaria também coloca em grave risco a Lista Suja do Trabalho Escravo, instrumento reiteradas vezes reconhecido, internacionalmente, por sua efetividade no combate ao trabalho escravo contemporâneo. O art. 4º, §1º, determina que o nome do empregador só irá para o Cadastro de Empregadores autuados por trabalho análogo ao de escravo, se e somente se, houver determinação expressa do Ministro do Trabalho.
Por sua vez, o art. 4º, §3º, I, a Portaria 1.129, estabelece que o Relatório de Fiscalização de trabalho análogo ao de escravo somente será válido se dele constar Boletim de Ocorrência, lavrado por autoridade policial. Essa regra limita a competência do auditor fiscal do trabalho e condiciona a fiscalização do trabalho escravo à atuação policial.
Diante desse quadro, considerando o grave impacto da nova Portaria para a continuidade da política de erradicação do trabalho escravo, apelamos para a imediata revogação da Portaria 1.129/17 do Ministério do Trabalho, por atentar à Constituição Federal, ao Código Penal e aos Tratados Internacionais de Direitos Humanos ratificados pelo Estado Brasileiro.
Entendo relevante e essencial a valorização da CONATRAE como legítimo espaço de diálogo pluralista e construtivo, envolvendo representantes do Estado, da sociedade civil, dos empregadores, dos trabalhadores e da OIT visando ao fortalecimento de ações, medidas e políticas públicas voltadas à prevenção, combate e erradicação do trabalho escravo.
Brasília, 16 de outubro de 2017
Flávia Piovesan
Presidente da CONATRAE
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