A desigualdade de renda no Brasil não caiu entre 2001 e 2015 e permanece em níveis "chocantes", de acordo com um estudo feito pelo World Inequality Lab, instituto de pesquisa co-dirigido pelo economista Thomas Piketty, conhecido por seus estudos sobre desigualdade com a obra "O Capital no Século 21".
Segundo a pesquisa, os 10% mais ricos da população aumentaram sua fatia na renda nacional de 54% para 55%, enquanto os 50% mais pobres ampliaram sua participação de 11% para 12% no período. Esse crescimento foi feito às custas de uma queda da participação de dois pontos percentuais dos 40% que estão entre os dois extremos (de 34% para 32%).
O crescimento econômico observado no Brasil no período teve pouco impacto na redução da desigualdade porque foi capturado principalmente pelos 10% mais ricos, que ficaram com 61% da expansão observada no período. Já a metade mais pobre da população foi beneficiada com apenas 18% desses ganhos.
"Em resumo, a desigualdade total de renda no Brasil parece ser muito resiliente à mudança, ao menos no médio prazo, principalmente em razão da extrema concentração de capital e seus fluxos de renda", conclui o estudo.
Os resultados estão em linha com os observados pelos pesquisadores Marcelo Medeiros, Pedro Souza e Fábio de Castro, da Universidade de Brasília, que identificaram uma estabilidade no nível de desigualdade entre 2006 e 2012.
O estudo do World Inequality Lab, assinado pelo economista Marc Morgan, contudo, vai na contramão de indicadores como o índice de Gini, que mostra a desigualdade, o qual indicou que houve uma melhora do cenário no Brasil, atribuída às políticas de redistribuição de renda dos governos do PT, como o Bolsa Família, e à política de valorização do salário mínimo, cujo valor real aumentou cerca de 50% no período.
Segundo o estudo, a participação do Bolsa Família e do Benefício da Prestação Continuada (BPC) na renda total nacional foi de 1%, em média, nesses 15 anos. Apesar da contribuição total pequena, esses programas elevaram a taxa de crescimento da fatia dos 50% mais pobres de 9% para 21%.
QUESTÃO DE MÉTODO
Uma das explicações para a discrepância é a metodologia adotada. O estudo do World Inequality Lab leva em conta dados da Receita Federal e das contas nacionais no cálculo, o que minimiza o problema de pesquisas com base em declarações de entrevistados, como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad, do IBGE), nas quais os mais ricos tendem a omitir sua renda.
Assim, o levantamento chegou a uma média de renda anual de US$ 541 mil (R$ 1,6 milhão) entre o 1% mais rico da população (cerca de 1,4 milhão de pessoas) em 2015 -superior à renda média do top 1% francês (US$ 450 mil a US$ 500 mil). Ao mesmo tempo, a renda média dos 90% mais pobres no Brasil equivale à média dos 20% mais pobres da França.
Assim, os mais ricos no Brasil têm uma renda superior aos mais ricos da França, enquanto a maioria dos brasileiros têm renda equivalente aos franceses mais pobres.
Outra diferença é que a renda considerada no estudo é aquela antes da incidência do Imposto de Renda. Em geral, estudos sobre desigualdade consideram a renda efetivamente disponível, portanto aquela após ser tributada. A justificativa de Morgan pela renda antes da incidência de impostos é que ela captaria melhor recursos de capital e propriedades recebidos.
Um exemplo são os lucros não distribuídos de empresas fechadas, que cresceram a uma taxa três vezes superior à remuneração de empregados entre 2000 e 2015 (231% vs. 74%). Isso mostra que embora tenha ocorrido uma melhora na igualdade salarial, os recursos concentrados entre a população mais rica expandiram-se a uma velocidade muito maior.
"Nossos resultados levam a uma revisão acentuada para cima das estimativas oficiais de desigualdade no Brasil, ao mesmo tempo em que as tendências de queda na desigualdade são revertidas de acordo com a nossa série de dados", afirma Morgan no estudo.
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