Na península da Coreia, já houve uma guerra. Foi em 1950, quando o então líder norte-coreano, Kim Il-sung (o avô do atual mandatário Kim Jong-un) decidiu invadir seu vizinho do Sul. Os Estados Unidos intervieram para conter a invasão e o conflito, que durou três anos e causou muitas mortes e muito prejuízo material.



Hoje, mais de seis décadas depois, as tensões na península estão mais fortes do que nunca. King Jong-um continua desafiando a comunidade internacional com seus testes nucleares.


Na última sexta-feira, o país fez mais um deles com um míssil balístico intercontinental, que "viajou" por cerca de 45 minutos e caiu em águas da zona econômica exclusiva do Japão, a menos de 200 milhas náuticas da costa.


No início deste mês, o governo norte-coreano declarou que havia lançado com sucesso um míssil balístico intercontinental capaz de chegar ao Alasca.


O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, advertiu que existe a possibilidade de um "grande, enorme conflito" com a Coreia do Norte.


Como seria hoje em dia um confronto na península quando as maiores potências nucleares do planeta têm interesse na região.



A primeira invasão


A guerra coreana começou em 1950, quando as então superpotências, Estados Unidos e União Soivética, passaram a "dividir" o mundo após a Segunda Guerra Mundial. Os soviéticos haviam ficado com o controle da parte norte da península, e os americanos com a parte sul.


No dia 25 de junho, a Coreia do Norte, apoiada pela União Soviética e pela China, invadiu a Coreia do Sul. E imediatamente os Estados Unidos enviaram suas forças militares para ajudar o país a combater a "invasão dos comunistas".


Com a ajuda de Washington, Seul, capital sul-coeana, foi recuperada em dois meses. A China, por sua vez, preocupada com a decisão dos Estados Unidos de mobilizar suas forças até o Norte para tentar a reunificação da península, interveio no conflito.



Foi aí que todas as partes envolvidas começaram a falar sobre usar armas atômicas e bombas nucleares. E o que começou como uma batalha para reunificar a Coreia ameaçou se tornar uma terceira guerra mundial nuclear.


Três anos depois, o conflito chegou a um impasse e permaneceu sem acordo - enquanto o que restava na região era apenas uma enorme destruição.


"Houve cerca de 3 milhões de coreanos mortos, 100 mil órfãos, uns 10 milhões de desabrigados e uma completa devastação", disse à BBC Sue Terry, ex-analista de assuntos da Coreia na Agência Central de Inteligência americana (a CIA), e professora da Universidade Nacional de Seul.


"Pyongyang ficou destruído. Não havia um prédio em pé", descreveu.


No dia 27 de julho de 1953, as duas partes decidiram firmar um armistício que foi criado como uma medida temporária para asssegurar o fim das hostilidades.


Hoje, 64 anos depois, os dois países seguem tecnicamente em guerra.


Com a crescente hostilidade na região, e as tensões entre o líder norte-coreano, Kim Jong-un, e o presidente americano, Donald Trump, alguns especialistas acreditam que bastaria um erro de cálculo para dar início a esta guerra.


"A zona desmilitarizada (que divide as duas Coreias) é uma das áreas mais fortemente armadas do mundo", disse á BBC David Maxwell, coronel aposentado do exército dos Estados Unidos e analista do Centro de Estudos para Segurança da Universidade de Georgetown.


"O Norte tem um exército cm 1,1 milhões de membros em serviço ativo e 70% das forças estão concentradas entre Pyongyang e a zona desmilitarizada", explica Maxwell, que ajudou a planejar uma resposta americana para uma potencial segunda invasão da Coreia do Norte ao Sul.


"O exército norte-coerano é enorme, disse o especialista. Eles têm uns 6 milhões de membros em suas forças de reserva. Acredito que seja o quarto maior exército do mundo."



Erro de cálculo


Maxwell considera que os recentes testes nucleares da Coreia do Norte e seus lançamentos de mísseis aumentam cada vez mais a probabilidade de um ataque preventivo dos Estados Unidos. "Se Kim Jong-um pensar que estão preparando um ataque contra ele, pode ordenar seus comandantes para que iniciem uma guerra."



"Os comandantes norte-coreanos teriam ordens para abrir fogo de toda sua artilharia e provocariam a maior destruição possível na Coreia do Sul."


"Nas primeiras horas, haveria centenas de milhares de disparos de projéteis e lançamentos de mísseis contra o Sul, principalmente dirigidos a Seul", disse o especialista.


E só seriam necessários alguns minutos para que esses projéteis chegassem do norte até Seul.


Com 25 milhões de pessoas na capital e na área metropolitana, não seria uma tarefa fácil mobilizar os habitantes até as áreas protegidas.


"As projeções de vítimas no início do combate indicam que poderia haver 64 mil mortos somente no primeiro dia de uma guerra assim", disse David Maxwell.


"O nível de sofrimento que isso provocaria é algo que não podemos imaginar", completa.


O objetivo do governo norte-coreano, assim como fizeram nos anos 1950, seria mobilizar as forças até o sul e obrigar o governo em Seul a firmar a paz e permitir a unificação da península sob o controle da Coreia do Norte.


Esse foi o objetivo do confronto em 1950, quando eles não esperavam que os Estados Unidos fossem acudir a Coreia do Sul.


Desta vez, no entanto, não há dúvidas de que Washington está totalmente disposto a intervir de imediato no conflito para apoiar Seul.



Reforços


"Os Estados Unidos não permitiriam de maneira alguma que os norte-coreanos assumissem o controle de Seul", disse à BBC o professor Bruce Bechtol, do Departamento de Estudos para a Segurança e a Justiça Criminal da Universidade de Angelo State, no Texas, Estados Unidos.


"Na primeira semana de conflito, nossos pilotos não poderiam dormir muito", afirma Bechtol, que foi um dos principais analistas de assuntos do noroeste da Ásia do Pentágono. "Nossa tarefa inicial seria usar toda a nossa potência aérea para impedir que os norte-coreanos avancem, enquanto esperamos que chegue o armamento mais pesado na região."



Os aviões de combate, explica, se encarregariam de bombaerdear as forças norte-coreanas enquanto se redobram os reforços da máquina militar americana na região. Segundo Bechtol, nos primeiros minutos do ataque norte-coreano, seria enviado à região um vasto arsenal americano que está espalhado pelo mundo.


Do Japão, do Texas e de várias outras partes do globo, seriam enviados barcos de guerra carregados com tanques, caminhões, veículos blindados, artilharia pesada e todo o material de guerra que seria necessário para uma missão como essa.


Reunir todo esse equipamento militar na península coreana poderia demorar três semanas, e esse seria o momento decisivo do conflito.


"Os norte-coreanos só têm entre duas ou três semanas de suprimentos, como munições, alimento, combustível, etc, para fazer a guerra", assegura Bechtol.


Assim, explica o especialista, o plano de guerra norte-coreano deve ser cumprir todos os seus objetivos nesse curto período de tempo, porque depois disso, eles ficariam sem sustento - inclusive faltaria alimento para mais de um milhão de soldados norte-coreanos."


Uma vez que o arsenal americano chegasse à região, sua missão seria fazer as forças norte-coreanas recuarem.


Essa também não seira uma tarefa fácil, disse Bruce Bechtol. O exército da Coreia do Norte hoje é 11 vezes maior do que era na guerra de 1950. Mas ainda assim, não existem dúvidas de quem sairia vitorioso.


No entanto, uma vez que as forças norte-coreanas começarem a sucumbir diante dos ataques dos americanos, as coisas podem ficar ainda piores. A guerra poderia se tornar um conflito nuclear.


"Quando Kim Jong-un e seus cerca de 5 mil aliados da elite norte-coreana que o apoiam se derem conta de que têm pouco tempo para sair do país, não teriam nenhuma razão para não usar mísseis nucleares e eliminar centenas de milhares de americanos."


"E esse é o cenário mais provável no qual a Coreia do Norte usaria esse tipo de míssil que testou há algumas semanas", garante o especialista da Universidade de Angelo State.


Ainda assim, mesmo que armas nucleares não fossem usadas nessa possível guerra, o conflito na região seria sem precedentes.


E veríamos uma enorme perda de vidas.


"Vou te falar os números prováveis: entre 300 mil e 400 mil mortos na primeira semana, tanto civis, quanto militares", disse Bruce Bechtol. "E quem sabe uns 2 milhões de mortos depois de três semanas."



Mas este não seria o fim. Porque em um cenário semelhante, não seria permitido ao regime norte-coreano continuar e, diferente da primeira guerra realizada na década de 1950, neste confronto eles realmente tentariam a reunificação da península.



A transição


O período mais complexo e caótico neste conflito seria a etapa de transição, segundo Balbina Hwang, professora de política e economia asiática da Universidade de Georgetown.


"E não podemos saber se a Coreia do Sul, por si própria, poderia ser capaz de administrar isso", diz ela, que trabalhou no Departamento de Estado Americano e está analisando as consequências imediatas de uma guerra.


"Estamos falando de algo etre 60 milhões, 70 milhões de pessoas que tentariam se mudar. Vamos lembrar que a metade dos 50 milhões de sul-coreanos que vivem atualmente em Seul e na área metropolitana."


"O instinto humano é fugir dos bombardeios e mísseis. Some-se a isso outros 20 milhões de norte-coreanos que supostamente seriam 'liberados' e que também estariam se deslocando para o Sul."


"Entre eles haverá gente desesperada, faminta, e aqueles que foram treinados para combater estarão dispostos a qualquer coisa para sobreviver."


Claro que, como visto depois da guerra de 1950, ambas as Coreias foram reconstruídas. E Coreia do Norte, mesmo sob o regime mais isolado do mundo, conseguiu sobreviver. Balbina Hwang acredita que, a longo prazo, seria possível que os países conseguissem a reunificação. O que é mais preocupante, diz ela, são os efeitos de curto prazo.



"A criança média sul-coreana de 5 anos de idade é 9 cm mais alta que a criança média norte-coreana da mesma idade", explica a especialista.


"Não há dúvidas de que haveria enormes diferenças: os norte-coreanos são mais baixos, mais magros, mas o mais importante é que a falta de nutrição afeta o desenvolvimento tanto físico quanto mental e emocional."


"Assim, não estamos só falando de altura, estamos falando de 20 milhões de pessoas que, durante 70 anos, não conseguiram se desenvolver da mesma maneira que seus vizinhos do sul."


E a especialista conclui: "Isso teria enormes consequências no momento de fazer a reunificação dos povos, que há muito tempo foram uma só cultura e uma só sociedade."


Esse cenário, no entanto, não inclui a possibiliade de a China ou a Rússia intervirem nesta guerra do lado norte-coreano.


Sendo assim, a resposta para a pergunta 'como seria uma nova guerra na península coreana?' só pode ser uma: assustadora.


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