Em 1985, o Brasil criou o Programa Nacional de DST e AIDS, sendo um dos primeiros países no mundo a adotar políticas públicas inclusivas e universais para combater a recente epidemia. Nestes 30 anos de batalha contra o vírus, existiram muitos desafios e conquistas e os portadores do HIV estão vivendo cada vez mais e melhor. No entanto, o alerta para a doença continua.
Desde os anos 1980, foram notificados 757 mil casos de aids no Brasil. Segundo o Ministério da Saúde, a epidemia está estabilizada, com taxa de detecção em torno de 20,4 casos a cada 100 mil habitantes, o que representa cerca de 39 mil novos casos ao ano.
É um número alto e a preocupação agora está no aumento dos números de casos entre o público jovem, que apresentou maior taxa de detecção do vírus – passando de 9,6 por 100 mil habitantes, em 2004, para 12,7 por 100 mil pessoas em 2013.
“A geração que hoje tem entre 16 e 24 anos é aquela que não discute mais sexualidade nas escolas e não conviveram com o período em que a epidemia era mais preocupante. Isso leva a uma despreocupação com a doença e com o uso do preservativo”, afirma a médica epidemiologista Inês Dourado, que é professora do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Aids e outras Doenças Infecciosas do Instituto de Saúde Coletiva da UFBA.
Inês se refere a década de 1990, quando grandes ídolos como os cantores Cazuza, Freddie Mercury e Renato Russo morreram vítimas da aids, e outros declararam ter a doença, como o jogador de basquete da NBA, Magic Johnson, que posteriormente se tornou um porta-voz do sexo seguro e da prevenção contra o HIV.
Outro grande nome militante no combate ao vírus foi o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho. Portador de hemofilia, doença caracterizada por problemas de coagulação do sangue, Betinho contraiu HIV em uma transfusão de sangue contaminado e faleceu em 97.
Ainda nos anos 90, a importância na utilização do preservativo como forma de se prevenir da doença foi tema de música do cantor Carlinhos Brown. Camisinha, que está no álbum ‘Cada cabeça é um mundo’, da Timbalada, lançado em 1993, alerta para o uso da proteção: “Respeite o amor. Respeite o sexo. Proteja sua vida. Salve muitas vidas. Use camisinha”, recomenda.
Sem proteção
A maioria dos brasileiros, (94%) sabe que a camisinha é melhor forma de prevenção às DST e aids. Mesmo assim, 45% da população sexualmente ativa do país não usou preservativo nas relações sexuais casuais entre janeiro e dezembro de 2014, segundo a Pesquisa de Conhecimentos, Atitudes e Práticas na População Brasileira publicada em janeiro deste ano.
A estudante Carolina Silva* (nome fictício), de 20 anos, admite não usar sempre. “Quando estou namorando por mais de seis meses, não utilizo. Se for um novo parceiro, eu só faço com camisinha. Se ele não tiver e insistir, fico desconfiada e não faço”, diz.
Os mais vulneráveis ao vírus
Nos primeiros anos da doença, foram definidos alguns “grupos de risco” para caracterizar os mais expostos ao HIV. Seriam eles os homossexuais, usuários de drogas injetáveis e receptores de transfusão de sangue. Atualmente, não se fala mais de grupo, mas sim comportamento de risco.
Para a OMS existem populações-chave que, devido a comportamentos de alto risco específicos e ao contexto de vulnerabilidade social onde estão inseridos acabam sendo mais vulneráveis ao HIV. São eles os gays e homens que fazem sexo com homens, mulheres profissionais do sexo, travestis e mulheres transexuais e usuários de drogas.
“Essas populações vivem em um contexto que reúne uma série de condições, principalmente sociais, onde a prevalência do vírus ainda é alta. Ao descobrirem ou desconfiarem que estão com o vírus, muitos evitam a ida ao SUS, por medo do estigma que a doença traz, atrasando o tratamento”, revela a médica Inês Dourado.
Brasil vence batalha contra as multinacionais farmacêuticas
Nestes 30 anos da resistência brasileira contra o HIV uma das maiores vitórias conquistadas diz respeito às patentes dos medicamentos para o tratamento do vírus.
O Brasil chegou a ser processado pelos Estados Unidos e Suíça na OMC (Organização Mundial de Comércio), sede das principais multinacionais farmacêuticas, contra a Lei da Propriedade Industrial, de 96. A norma previa a licença compulsória de um registro para a produção local de remédios patenteado pelos laboratórios.
“Nessa época, o tratamento para um paciente custava sete mil dólares por ano porque importávamos os medicamentos”, lembra o médico epidemiologista e diretor do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais, Fábio Mesquita. O Brasil não só venceu o processo e virou exemplo.
“Após essa vitória, os antirretrovirais [medicamentos que impedem a multiplicação do vírus no organismo] foram classificados como um direito humano para todos os portadores da doença”, lembra Mesquita.
O resultado de tanta resistência do Brasil fica evidente na queda do coeficiente de mortalidade da doença nos últimos 10 anos. A redução foi de 13%, de 6,4 para 5,7 casos de mortes por 100 mil habitantes.
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