Em um ano, os casos da Síndrome de Guillain-Barré (SGB) – que provoca paralisia muscular – podem chegar a 1.200 em Salvador, se o número de registros da doença continuar crescendo. De maio até a quarta-feira (8), foram confirmados na Bahia 55 casos — 32 deles na capital, onde uma mulher morreu pela doença, no dia 12 de junho.
A SGB é uma doença autoimune provocada por uma reação de defesa do organismo a um vírus. Em alguns casos, essa reação acaba atacando o próprio organismo.
Os médicos ainda não sabem ao certo o que pode estar causando esse tanto de casos de SGB, mas suspeita-se que tenha relação com a epidemia de Zika Vírus — transmitida pelo mosquito Aedes Aegypti, o mesmo que transmite a dengue.
Os dados foram apresentados, ontem à tarde, no auditório do Hospital Geral Roberto Santos, durante uma reunião entre representantes da Secretaria Estadual da Saúde (Sesab), Ministério da Saúde e médicos do estado.
Segundo o médico infectologista Antônio Bandeira, que participou da equipe de pesquisadores baianos que identificaram o Zika, situação semelhante ocorreu na Polinésia Francesa (arquipélago localizado no Oceano Pacífico), entre 2013 e 2014. O país viveu uma epidemia de Zika e, em seguida, os casos de SGB se multiplicaram rapidamente. Lá, a incidência chegou a 40 casos para cada 100 mil habitantes. Se a capital baiana seguir essa tendência, seriam 1.200 casos em um ano.
Morte
No dia 12 de junho, uma jovem de 26 anos que estava internada no Hospital Teresa de Lisieux morreu. Ela começou a apresentar os sintomas de SGB no dia 20 de maio. A identidade não foi divulgada.
Segundo o subsecretário de Saúde do estado, Roberto Badaró, os pacientes que já foram diagnosticados com a síndrome na Bahia apresentaram doença exantemática (Zika), mas não necessariamente é este vírus o causador da SGB. Doença exantemática é quando observam-se os sintomas do Zika, mas o diagnóstico ainda não foi confirmado - o que depende de exames específicos.
“O que está causando Guillain-Barré é uma manifestação do próprio paciente que experimentou mais de uma doença viral e que pode até nem ser nenhuma dessas. Pode ser o vírus na mononucleose, a malária, que não é nosso caso aqui”, disse.
A doença também já foi identificada em outros 17 municípios além de Salvador.
Sintomas
Segundo Ceuci Nunes, diretora do Hospital Couto Maia, referência em infectologia, os casos que têm chegado à unidade da SGB, acontecem entre uma semana e 60 dias após o paciente ter apresentado a doença exantemática. “Isso é o que a gente tem observado na prática. Nossos pacientes estão evoluindo bem, respondendo ao tratamento com a imunoglobulina. Apenas um paciente nós tivemos que transferir para a UTI”, afirmou.
O hospital já recebeu 16 casos da síndrome desde maio. Ainda segundo Ceuci, não há nada que possa ser feito para evitar a síndrome e também não significa que todo mundo que teve Zika terá a síndrome.
“Como é uma doença nova, as pessoas não estão imunizadas contra o Zika. Mas quanto mais casos tivermos, maior a chance de casos graves e, quanto mais casos graves, maior a chance de desenvolver a síndrome”, disse o médico infectologista Fernando Maia, professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).
Segundo especialistas, os pacientes apresentam fraqueza muscular que normalmente começa nos membros inferiores e vai ascendendo, podendo chegar às vias respiratórias, o que complica o quadro e o infectado precisa de auxílio de equipamentos para respirar. De acordo com Ceuci Nunes, alguns pacientes também apresentaram paralisias facial parcial e total.
Governo bloqueia leitos de hospitais para pacientes com síndrome
Para atender a demanda, a Sesab bloqueou leitos de 16 hospitais em todo o estado para receber pacientes especificamente da Síndrome Guillain-Barré. Em Salvador, são oito leitos no Hospital Roberto Santos, seis no Couto Maia e quatro no Hospital das Clínicas. De acordo com o subsecretário da saúde, Roberto Badaró, o número de leitos é suficiente para atender a demanda atual.
Outra medida para tentar lidar com os casos, e também com a tríplice epidemia (dengue, chikungunya e zika) que atinge, pelo menos, 12 municípios baianos, foi a convocação de uma reunião com cerca de 250 profissionais da área de saúde para alinhar como o atendimento deve ser feito. Segundo o Protocolo Clínico da Síndrome de Guillain-Barré, os médicos devem fazer a coleta de amostras dos pacientes em até duas horas e notificar todos com complicações neurológicas à Vigilância Epidemiológica.
As amostras devem ser encaminhadas para hospitais de referência e as unidades de menor porte devem encaminhar os pacientes por meio da regulação. Segundo o protocolo do Ministério da Saúde, os pacientes com a Guillain-Barré que estejam apresentando os sintomas com até 15 dias, devem receber imunoglobulina (substância que atua no combate à doença). Após esse período, a escolha do tratamento deve ser feita por um neurologista ou um infectologista. Alguns médicos relataram que não sabiam exatamente como realizar o atendimento aos pacientes que apresentam sintomas de uma das três doenças e também as dificuldades para realizar o diagnóstico, com as emergências lotadas. Badaró recomendou que sempre seja feita a sorologia dos pacientes.
“Não vamos apenas fazer o diagnóstico pelos sintomas apresentados”. Ainda segundo ele, há uma sala de contingência em plantão de 24 horas “para dar essa resposta e tranquilizar a população de que ela não vai deixar de ser assistida”. Além da falta de expertise para lidar com a doença, as unidades de saúde vão ter que lidar com outro obstáculo: o custo para tratar os pacientes. Cada ampola utilizada para o tratamento custa R$ 645. Com uma média de 30 ampolas para um paciente de 70 kg, será gasto cerca de R$ 19 mil. Ontem, o secretário da Saúde, Fábio Vilas-Boas, foi até Brasília pedir apoio para enfrentar a epidemia.
Segundo o infectologista Fernando Maia, os pacientes que tiverem algum sintoma devem procurar uma unidade de saúde. “A gente precisa acompanhar os casos para saber quem vai fazer forma grave e quem não vai. Não tem exame que possa prever”, orientou. Correio solicitou dados nacionais sobre a doença ao Ministério da Saúde, mas a assessoria não respondeu até o fechamento da edição.
Pacientes com Zika devem procurar rede básica
Quem procurou atendimento no Hospital Couto Maia, no Bonfim, ontem, foi orientado a buscar primeiro alguma Unidade de Pronto Atendimento (UPA) e retornar com a regulação. De acordo com a diretora do hospital, Ceuci Nunes, há cerca de um mês a unidade deixou de atender pacientes de forma direta. “Há um mês, o Couto Maia não é mais um hospital de portas abertas. Só recebe pacientes pela regulação ou encaminhados por outra unidade de saúde”, afirmou. De acordo com os funcionários, a movimentação no hospital foi intensa durante todo o dia de ontem. Pacientes com manchas na pele, coceira e dores no corpo — sintomas típicos do Zika — eram os mais comuns. “Tive febre há dois dias e ontem (anteontem) começou a coceira e dores no corpo. Tomei um anti-inflamatório, pensando que poderia aliviar, mas não estou aguentando de tanta coceira”, contou a doméstica Laura Souza, 32 anos. Ela foi orientada a buscar atendimento em uma UPA ou outro hospital. Dentro do hospital, corredores lotados e, a cada minuto, chegando mais pacientes. “Tive Zika há um mês e ela voltou. Esse mosquito não brinca em serviço”, contou o servente Daniel Barros.
Tríplice-epidemia
Para o subsecretário estadual da Saúde, Roberto Badaró, há epidemia de três vírus diferentes no estado. “Não é só o vírus Zika, mas na verdade nós tivemos uma epidemia de dengue que já vem de muito tempo, depois iniciamos uma epidemia de chikungunya e agora uma epidemia que possivelmente está relacionado ao Zika”, disse.
O infectologista Fábio Amorim vai além e fala em epidemia da Síndrome de Guillain-Barré. “Se você fosse procurar na população, a grande massa não teria ouvido falar da síndrome e hoje, com certeza, alguém conhece alguém próximo com suspeita. A gente está, sim, em processo de epidemia, como não houve nenhum precedente”, diz.
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