[caption id="attachment_21441" align="alignleft" width="221"]Parabéns Jacobina pelos seus 135 anos - você conhece a sua história? Prof. Fabio Carvalho (UAB/UNEB)[/caption]

Tomando como base a data de 28 de julho de 1880, que eleva a Vila de Santo Antônio de Jacobina a categoria de cidade, com topônimo de Cidade Agrícola de Santo Antônio de Jacobina, hoje a cidade de Jacobina comemora seu aniversário de 135 anos.


No entanto, Jacobina tem mais tempo de história que qualquer município do sertões da Bahia, ou do norte de Minas Gerais, ou do sertões de Pernambuco, já que a maioria fazia parte do município de Jacobina até o início do século XIX, quando perde maior parte de seu território.


Fora o fato dessa região ser conhecida já em 1570, é no ano de 1724 que passa a ser centro administrativo e eclesiástico de um território tão vasto que sobrepujava muitos reinos da Europa. Uma história que merece um livro.


MARCOS DA FUNDAÇÃO DE JACOBINA – SÉCULOS XVII E XVIII


Como vimos, foi a partir da segunda metade do século XVII que a região nas proximidades de onde encontramos a cidade passou a ser povoada, vindo a surgir as primeiras descobertas de ouro em Jacobina.  Contudo, desde os começos desse mesmo século, o avanço do gado pela parte norte “das Jacobinas”, ou seja, do entorno das Serras de Jacobina, a penetração do interior baiano com currais de gado foi intensa.


Sabemos que por volta de 1666, o missionário flamengo Jacob Roland, acompanhado de outro teólogo, João de Barros, funda a Missão de São Francisco Xavier – Missão de Jacobina – onde edificam uma Igreja de Santo Antônio, onde em 1683 o Arcebispo da Bahia cria a Freguesia de Santo Antonio de Jacobina. Com isso, essa Missão passa a ser palco de um dos maiores conflitos entre esse jesuíta flamenco e o Padre Antonio Pereira, membro e ferrenho defensor da Casa da Torre, famosa opositora da instalação de Missões na região, onde já perpetrava diversas atrocidades como destruição de Igrejas e extermínio de índios já submetidos ao apoio religioso, visando a não instalação das ditas instituições em seus domínios.


Podemos então inferir que uma Missão nunca era bem vista por nenhum curraleiro, pois, primeiramente se perdia terras para a Igreja, além de ver diminuído seus ganhos no aprisionamento direto do indígena, sem a intervenção dos padres que, institucionalmente, serviam a sua proteção. Consta que, no momento, o Padre Jacob Roland foi um árduo defensor dos indígenas, contrariando duplamente o Padre Antonio Pereira e os curraleiros da Casa da Torre, além de ser um grande desafeto do famoso Padre Antonio Viera, que a ele dedicou alguns de seus “sermões”. Contudo, ao longo de toda a segunda metade do século XVII, diversas foram as tentativas de se retirarem os indígenas e acabar com essa Missão, o que quase ocorre em 1722.


O sistema de Capitania Hereditária foi instituído no Brasil no começo do século XVI, dadas as fracassadas tentativas anteriores de povoamento, e tinha o intuito de se organizar e promover a colonização. Uma Capitania se conformava na maior instância administrativa da colônia. O centro da administração na América Portuguesa recaía na figura do Governador-Geral ou Vice-Rei, como passa a ser chamado a partir da União Ibérica, e governa auxiliado por seus diversos Secretários, Conselhos, e pelos Governadores das Capitanias, todos subordinados ao Rei. Para o cargo de liderança dessas instâncias, se exigia dos representantes serem letrados, e possuírem altas patentes militares e “nobiliárquicas”.


O sistema de Capitanias permaneceu até a primeira constituição do Brasil, no começo do século XIX. Administrativamente, o território da Capitania era dividido em Comarcas, sempre em pequeno número. A Capitania da Bahia possuiu três Comarcas: a de Salvador, Ilhéus e Jacobina. As Câmaras e Comarcas eram dividas em “termos”, que eram os territórios sob sua jurisdição. Por sua vez, o “termo” acomodava as freguesias, circunscrição eclesiástica onde conformavam a paróquia, erigindo-se uma Igreja, como era o caso também de uma Missão – que podia servir para administração civil –, ou um Arraial. Por fim, podiam existir os “Barrios”, espaços onde se organizavam as Ordenanças, ou seja, as Companhias Militares.


Em seus primórdios, Jacobina era administrada por conselhos que eram realizados entre os senhores de terras locais, para resoluções de questões de interesse de um conjunto. Logo em 1720 passa ter privilégio de Vila, passado a possuir os mais altos cargos da administração. Toda a região era permeada de curraleiros que além do poder econômico, detinham também grande poder político-administrativo, sendo os representantes oficiais da coroa portuguesa naqueles territórios. A Casa da Torre, em conjunto com a Casa da Ponte, redefiniram por séculos a organização espacial de Jacobina.. A primeira, maior possuidora de terras da América Portuguesa e de todo o mundo colonial, ricas em ouro e ocupadas por grandes fazendas de gado, somente na região de Jacobina chegou a possuir 500 mil cabeças de gado. A dimensão do poder dessas famílias não impediu os achados das avultadas quantidades de ouro anunciadas um século antes como prata por Gabriel Soares de Souza e Belchior Dias Moreira 1º


No início da década de 1690, a coroa portuguesa envia o Capitão-mor Pedro Barbosa Leal para Jacobina a fim de se averiguar as crescentes notícias de achados de salitre, ouro e pedras preciosas e já bastante tumultuada por aventureiros, o que culmina no motim de 1693. Em 1697, esse Capitão é responsável pela instalação na Fábrica de Salitre, na atual região do Salitre. Em 1701, a coroa lhe envia Antonio Alves da Silva que era perito em reconhecimento de metais, onde retorna à metrópole as primeiras pepitas de ouro encontradas, e nesse mesmo ano, temos o registro da Carta Patente de João Campelo de Souza, empossado Capitão dos Descobrimentos da Minas do Ouro de Jacobina. No mesmo período, novas descobertas de ouro vão sendo anunciada no Rio de Contas e nas décadas seguintes, nas Serras do Assuruá, região da atual Gentio do Ouro.


A forte resistência indígena em Jacobina, que ao longo de mais de um século impediu a colonização estrangeira nessa região, muito temidos, considerados uma muralha humana para o colonizador, na virada para o século XVIII, sua grande maioria já haviam sido pacificada. Nas Minas recém descobertas, logo se instala a Igreja Matriz de Santo Antonio em 1705, e em 1706 é instalada a Missão do Bom Jesus da Glória. A presença do negro também é bastante importante na região, diversas são as ordens para aprisioná-los, marcando sua forte presença na região, como a ordem emitida ao Capitão do Mato Domingos Gonçalves Ferreira, que lhe ordena aprisionar os quilombos e mocambos em Jacobina.


Certamente, os começos dos séculos XVIII foram um dos mais intensos da Bahia, onde ocorreu um rápido deslocamento de populações para o interior, e o declínio na economia da cidade de Salvador pela escassez de mão de obra escrava, que progressivamente ia sendo deslocada para as Minas de Jacobina. Por outro lado, o crescente aumento do contingente de aventureiros que adentravam os sertões em busca de enriquecimento fácil, gerava um clima de desordens e tumultos. Até a instalação da Vila em 1724, foram dois Editais de proibição da extração do ouro, acompanhadas com a mudança no sistema de captação do quinto, imposto que cobrava a quinta parte de todo o ouro extraído das Minas em favor da coroa portuguesa.


A cobrança do quinto foi desde sempre a principal preocupação da metrópole, contudo, foi quase impossível uma efetiva cobrança desse imposto em Jacobina, devido às desordens e clima de barbárie instituído com a chegada de gente de toda sorte, de homens de riquezas a “vagos”, como afirma o Padre André João de Antonil em 1711, sendo que os primeiros “usarão de traições lamentáveis, & mortes de mais de cruéis; ficando estes crimes sem castigo, porque nas Minas a Justiça Humana não teve ainda Tribunal”.


A partir de uma Consulta ao Conselho Ultramarino desse mesmo ano, em 21 de maio de 1711, o Desembargador Manoel de Azevedo Soares dá conta ao dito Conselho da grande dificuldade na administração das Minas de Jacobina, e da impossibilidade de se cobrar o quinto real, e de se valer as proibições, relatando o medo de invasão naquelas Minas pelas nações estrangeiras, “sendo impossível o se poderem proibir a respeito de ser os sertões todos portas para se ir aquelas mesmas terras em que se descobriram e em que os arraiais e ranchos de gente podem assistir sem terem comunicação uma com a outra, nem poderem ter noticia dos que assistem na circunferência delas, pelas grandes serranias que lhe servem de amparar com a conveniência de residirem em sítio aprazíveis, e com grandes meio para se sustentarem”, palavras do Desembargador.


Após essa data, temos posse de diversos documentos que nos dão mostras das preocupações dos diversos oficiais encarregados de organizar a extração e cobrança do imposto sobre o ouro. Uma Consulta ao Conselho Ultramarino de 19 de abril de 1718, entre outras coisas, relata a preocupação na liberação das Minas de Jacobina, e a necessidade de se efetivar as proibições, pelo receio “de que por causa delas se desampararia a cultura dos açúcares e tabacos, lavouras...”.  Uma das últimas ordens para se sustentar o veto de proibição foi dada, em 20 de junho de 1719, a Domingos Pereira Marciel, para em “tons de caixa” se dirigir à Jacobina para se fazer cumprir os Editais de proibição de 1703 e 1714, que impedia a extração de ouro em Jacobina, porém, mais uma vez não obteve sucesso.


Visando sanar todos esses problemas, em 5 de agosto de 1720, o Rei Dom João V expede a Carta Régia que cria a Vila de Santo Antonio de Jacobina, ordenando ao Vice-Rei Vasco Fernão César de Menezes a enviar a Jacobina um Corregedor da Comarca, ou um Ministro de suas escolha, para a ereção da mesma. Passado dois anos, é enviado à região o Desembargador Luiz Siqueira Viana, que adoece no trajeto, e retorna à capital incapacitado. Seu regimento é passado ao Capitão-mor Pedro Barbosa Leal, já bastante conhecedor dos sertões de Jacobina, que fica responsável pela ereção da Vila de Santo Antonio de Jacobina. Em 24 de junho de 1722 é lavrada a primeira Ata de criação da Vila e escolhida a região do Boqueirão da serra, nas proximidades da Igreja de Santo Antonio, atual Campo Formoso, sede da Freguesia de Jacobina, para se construir a Câmara Municipal e os demais prédios da administração. No costume de criação de Vilas e Cidades, foi mandado convocar à sua presença “os moradores deste dito sítio e arredores; que nele habitam e têm fazendas; e alguns mineiros; e estando juntos os mais dêles, pessoas das mais nobres, ricas, e das mais autoridades, que são todos aqueles que em o fim se acham assinados...”, como cita a Ata, para a escolha do local.


Segundo essa Ata, todos são unânimes à decisão do Capitão Pedro Barbosa Leal de se erigir a Vila no Boqueirão da Serra, onde já existia a Missão de Jacobina. Contudo, em 10 de maio de 1723, Garcia D’Ávila 3º endossa uma representação dos mineiros ao Rei, onde contesta o local escolhido por Pedro Barbosa, “e que devendo este levantá-la em sítio da Lagoa, onde assistem os mais de mineiros, e para onde se têm retirados muitos criminosos, e não fizera assim, talvez em contemplação de João de Mascarenhas, irmão do vigário de Jacobina, de quem são as terras das ditas minas...”. Segundo consta, o local escolhido era despovoado e ocupado pela Missão de São Francisco Xavier – Missão de Jacobina –, da qual o dito Capitão tinha demandas graves, e uma aldeia de índios. Some-se o fato de está distante cerca de mais de 20 léguas das Minas de ouro, sendo impossível aos mineiros, e demais oficiais, retornarem ao dia para cumprirem suas tarefas institucionais na Vila.


O fato é que a representação de Garcia D’Ávila criou grande desconforto ao Rei, que via adiado os estabelecimentos para a arrecadação de impostos. Logo no ano seguinte, o Rei nomeia o Desembargador Pedro Gonçalves Cordeiro Pereira, que em 5 de junho de 1724, no Arraial da Missão do Bom Jesus da Glória, encabeça a assinatura da Ata de transferência da Vila de Santo Antonio de Jacobina para o lugar da atual da cidade. Data mais justa para comemoração do aniversário da cidade, em minha opinião. Na mesma Ata, expede-se a ordem de se construir os prédios públicos como a Casa de Câmara, antiga Câmara dos Vereadores de Jacobina, se levantar o pelourinho, e se instalar uma forca. Entre 1710 a 1721 haviam-se registrado no Arraial da Missão do Bom Jesus da Glória 532 homicídios com arma de fogo, em uma população que já ultrapassava 2000 pessoas. Com a instalação do pelourinho e da temida forca, no ano seguinte a instalação, esse número caiu para dois homicídios: um com uma espada e o outro com uma faca, segundo Afonso Costa.


O estabelecimento da Casa de Câmara veio implementar e ampliar o corpo administrativo, como atesta as diversas cartas, que a partir de 1720, vão nomeando oficiais para ocupação dos mais diversos cargos, cristalizando uma elite no poder. Nos distritos mineiros, como era o caso de Jacobina, o Guarda-mor ficava responsável para administração das riquezas minerais, sobretudo o ouro, cabendo a ele demarcar “catas”, fiscalizar e recolher o quinto real, como foi estabelecido no 2º Regimento das Minas do Brasil de 1700. A instalação da Vila veio mitigar a violência, porém, a arrecadação do quinto sempre estava aquém da exploração real. Pela Provisão de 13 de maio de 1726 foi ordenada a construção de duas Casas de Fundição, uma em Jacobina e outra no Rio de Contas. Com a instalação da Casa de Fundição em Jacobina, provavelmente no Solar das Almas, na Praça Rio Branco, aos finais de 1727, se registrou nos livros de contas do Guarda-mor a impressionante soma de arrecadação de 70 661 kg de ouro, e já em 1729 essa quantia passa para 182 680 kg de ouro quintado. Contudo, e a partir dessa data, percebemos um grande declínio nas remessas até os finais do século XVIII. Não é a toa que Jacobina recebe o apelido de Cidade do Ouro.


Ao longo de todo o século XVIII a Vila de Santo Antonio de Jacobina é entrada para todos os caminhos dos sertões, e ponto obrigatório de tropeiros que os adentravam para comercializar todo tipo de mercadoria. Em 1755, a Casa de Fundição é transferida para as Minas Novas de Arassuay, no norte de Minas Gerais, marcando o grande declínio na arrecadação do quinto em Jacobina. Em 1758, a sede da Freguesia de Jacobina é transferida de Jacobina Velha, atual Campo Formoso. Em 1759 se constrói a Igreja de Nossa Senhora da Conceição, ano de expulsão dos jesuítas do Brasil, que assume o comando eclesiástico do município, até voltar para Paróquia de Santo Antônio, dada a chegada a Jacobina do famoso Padre Alfredo Haasler, nos começos do século XX.  Diversos documentos e bibliografias ao longo desses três séculos colocam a Vila de Santo Antonio de Jacobina com posição notadamente superior a qualquer localidade aurífera da Bahia, e atualmente uma das jazidas mais importantes do Brasil, o que ainda não figura nos manuais educativos.


Parabéns Jacobina pelos seus 135 anos; você conhece a sua história?


Por Fabio Carvalho (UAB/UNEB)
Doutorando em Estudos Latino-americanos


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