[dropcap]D[/dropcap]a janela do primeiro andar do bloco 67, a dona de casa Valdemira grita: “Ele é trabalhador! Ele é deficiente”. Mas o apelo da mãe é ignorado e o filho, o empacotador Luís Vagner dos Santos Anunciação, 29 anos, portador de deficiência intelectual, é baleado nas costas com um tiro de escopeta calibre 12.
O tiro foi disparado por um policial militar da Rondesp Central, durante uma abordagem na localidade de Boca da Mata, no bairro de Fazenda Grande II, na noite de terça-feira (27) em Salvador. Segundo a família, Luís está internado em estado grave no Hospital Jaar Andrade, em Cajazeiras VIII.
A família do rapaz não sabe o nome do policial que atirou, mas afirma que ele estava na viatura de placa NZT-2067 e que a guarnição era comandada pelo tenente Amorim. Havia, no momento, oito policiais em duas guarnições.
Em nota, a Polícia Militar informou que os policiais envolvidos na ação se apresentaram na Corregedoria, onde foram ouvidos. Eles estão preventivamente afastados até que as investigações sejam concluídas. A família de Luís foi ontem denunciar a ação dos policiais na Corregedoria da PM, que instaurou um Inquérito Policial Militar (IPM) para apurar o fato.
De costas
Luís foi baleado na quadra D, pouco depois de chegar do Atacadão Centro Sul, na Calçada, onde trabalha há cerca de três meses. Ele estava na frente do prédio, por volta das 20h40, quando duas guarnições da Rondesp abordaram um grupo de rapazes numa quadra de futebol. Segundo os moradores, os policiais foram averiguar o fato de uma picape ter sido abandonada no local há dois dias.
“Inocente, meu filho foi com uns amigos ver o trabalho dos policiais, foi quando eles foram para cima e todos correram”, disse a mãe, Valdemira dos Santos da Anunciação, 49, enquanto segurava na mão direta uma cápsula de calibre 12, provavelmente do projétil que atingiu o filho.
Luís correu. A mãe estava na janela junto com o filho caçula, Marcos Paulo Santos Souza, 24, quando percebeu que um policial se aproximava sorrateiramente enquanto Luís abria, apressado, o portão do prédio. “Foi quando gritei: ‘Ele é trabalhador! Ele é deficiente’. Mas o policial atirou assim mesmo”, disse Valdemira, que passou mal e foi amparada por Marcos.
Perfurações
Já baleado, Luís ainda tentou impedir o acesso do policial ao prédio. Ele empurrava o portão, mas o PM conseguiu imprensá-lo na parede após pontapés, que deixaram a marca do coturno na porta. “Abri a porta e vi o policial dizendo: ‘Vou matar você, vou matar você’. Daí gritei: ‘Ele é deficiente mental’. Foi aí que ele, o policial, falou: ‘Pô velho, por que você correu? Não era para você ter corrido’”, contou a promotora de vendas, Meiriele Portugal, 37, vizinha de Luís.
O rapaz foi socorrido pela guarnição do tenente Amorim para o hospital particular Jaar Andrade. “A médica disse que meu irmão tinha oito perfurações. Então, fui ao policial que atirou e perguntei por que ele fez isso, mas ele ficou calado. Então, o tenente me disse que o colega dele atirou apenas uma vez, que as perfurações foram feitas pelas esferas que ficam no cartucho da munição”, contou Valquíria dos Santos Anunciação, 32 anos, irmã do empacotador.
Alguns modelos de escopeta calibre 12 têm no interior da munição esferas de chumbo que, a depender da distância do disparo, se espalham com o objetivo de atingir mais de um alvo. No primeiro portão, há cinco perfurações na região da maçaneta, provavelmente feitas por esferas que atravessaram e atingiram Luís.
Versão oficial
Segundo a Rondesp Central, na noite de terça-feira, quatro homens foram flagrados em um veículo Mitsubishi L200, com restrição de roubo, na Fazenda Grande II. Ao serem abordados, eles fugiram e foram perseguidos pelos PMs. Na fuga, dispararam contra os policiais, que revidaram.
Durante a ação, Luís foi atingido e socorrido pelos PMs para o Hospital Jaar Andrade, onde passou por procedimento cirúrgico. Ele encontra-se em observação e não corre risco de morte, segundo a PM.
Em 2014, lojista morreu durante tiroteio entre PM e suspeitos
Em agosto do ano passado, a dona de uma loja de roupas Adinair da Silva Correia, de 40 anos, parou em um congestionamento e acabou morrendo com um tiro no peito e outro no braço esquerdo, em meio ao tiroteio na altura do 19º Batalhão de Caçadores do Exército (19º BC), no Cabula. Adinair tinha saído do trabalho e acabado de pegar o filho caçula, Felipe Correia, 8, no colégio.
Os disparos que atingiram a comerciante partiram de uma troca de tiros entre PMs e motoqueiros. O menino, que estava no banco do carona, saiu ileso. Os PMs envolvidos no tiroteio que matou a lojista foram afastados. Por causa da complexidade, o caso foi apurado pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP).
Na ocasião, a a Polícia Civil informou que os PMs disseram que atiraram para o alto. Os policiais disseram ainda que, antes, abordaram quatro pessoas em duas motos, que reagiram, dando início à troca de tiros.
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