A manicure Claudijane Miranda estava no hospital após uma cirurgia quando recebeu a notícia que o seu caçula, Renê, 18 anos, estava morto. Arrancou o tubo de soro do braço e, desesperada, foi ao encontro do corpo do rapaz na Estrada do CIA.
Por conta do nervosismo em relação à cirurgia de extração de um cisto no ovário à qual estava prestes a ser submetida, na tarde de anteontem, a manicure Claudijane Duarte de Miranda, 38 anos, foi breve ao se despedir do filho, Renê Miranda dos Santos, 18. “Ele me disse ‘vai com Deus, mãe, eu te amo’, eu disse que amava ele também e falei que se o médico me liberasse, eu estaria em casa à noite. Depois, fui para o hospital”, explicou ela.
O que a manicure não podia imaginar é que aquela seria a última vez em que falaria com Renê, o último dos seus únicos três filhos perdidos na batalha contra as drogas. Por volta das 17h30, homens armados invadiram a casa da família, na Rua Santa Tereza, em Águas Claras, e raptaram Renê. Junto com ele estava um amigo, identificado como Ricardo Santos Santana, 24 anos, que foi levado junto.
Os corpos dos jovens, executados a tiros, foram encontrados próximo à Estrada do CIA, em Simões Filho, ao lado de um matagal, ontem pela manhã. Ambos estavam envolvidos por uma corda - Ricardo tinha os braços atados por um lacre plástico, usado como algema. O Departamento de Polícia Técnica (DPT) encontrou 13 estojos de calibre .308 e .45 ao redor das vítimas.
Procura
A notícia da morte do filho chegou ainda na noite de terça-feira, quando Claudijane aguardava a alta médica, no Hospital do Subúrbio. Ela recebeu uma ligação anônima, por volta das 20h, informando que o corpo de Renê estava no Instituto Médico- Legal Nina Rodrigues. “Arranquei o tubo do soro e saí desesperada. Já tive que enterrar dois filhos, não podia suportar a dor de perder o meu caçula”, comentou a manicure. “Quando cheguei em casa, encontrei tudo revirado. Peguei o documento dele e corri para o Nina”, continuou.
Ao chegar no IML, ainda sob efeitos de medicamentos do pós-cirúrgico, Claudijane descobriu que o corpo de Renê não tinha sido transferido para o local. Movida pela esperança de ainda encontrar ele com vida, passou a noite em busca de pistas que a levassem ao paradeiro do jovem. Contudo, quando a informação veio, era para prepará-la para o pior.
“Uma conhecida que passou pelo CIA reconheceu o corpo dele e me ligou cedo dizendo: ‘Pode vir para cá que é Renê’. Quando cheguei, encontrei ele aqui (no CIA), com a mesma roupa que estava vestindo quando nos despedimos, ontem”, declarou Claudijane, entre lágrimas.
Em depoimento à polícia, no local da desova, a manicure informou que o filho e Ricardo eram usuários de drogas. Eles se conheceram quando Claudijane e Renê se mudaram para Água Claras, há cinco meses. Ela explicou que os dois trabalhavam como vendedores de peixes - compravam os pescados no mercado popular da Calçada e revendiam em Jauá, no Litoral Norte. O lucro das vendas era utilizado para sustentar o vício.
“Muitas vezes eu falei para ele, ‘meu filho, largue isso’. Mas ele respondia, ‘não é nada demais não, mãe. Eu só fumo porque é calmante’”, recordou Claudijane. Apesar de tentar tranquilizar a mãe, Renê não seria mero usuário. A Delegacia do Menor Infrator (DAI) confirmou que o jovem foi apreendido este ano por tráfico de drogas. Em 2012, há outra passagem por receptação de veículo roubado.
Mudança
Durante a espera pela chegada dos agentes do DPT, a mulher precisou ser amparada por amigos enquanto lamentava aos gritos pela morte do caçula. “Ele prometeu que ia cuidar de mim depois que os irmãos dele morreram. Se soubesse que isso ia acontecer, tinha ficado em casa para que aqueles miseráveis me matassem com o meu menino”, gritou.
Além de enfrentar pela terceira vez o drama de enterrar um filho, Claudijane conta que prevê mais dificuldades financeiras daqui pra frente, já que o filho ajudava nas despesas de casa. Ela admite procurar ajuda para pagar o sepultamento do filho.
Outra mãe
Longe dali, no Vale das Pedrinhas, outra mãe também chorava e não se conformava com a perda do filho. “Não consigo entender o que faria alguém matar um menino trabalhador como meu filho”, afirmou a ambulante Ana Lúcia Santana, 51, entre lágrimas. Até o fechamento da edição, a polícia não sabia informar se Ricardo tinha passagem por algum crime. A família garante que não. “Ele nunca esteve envolvido com nada de errado, nunca foi preso”, garantiu a mãe.
O Departamento de Homicídios (DHPP) investiga os crimes. Segundo a delegada Marilene Lima, que acompanhou o DPT, ontem, a polícia trabalha com a hipótese de dívidas com traficantes da região.
Infelizes aniversários
A perda do caçula Renê foi a terceira de uma sequência de tragédias na vida de Claudijane, que começaram há três anos, com a morte do primogênito, André Luis Duarte de Miranda, na época com 21 anos. De acordo com a manicure, André era dono de um lava a jato em Fazenda Cajazeiras e perdeu a vida pelas ‘amizades erradas’ que fez no local.
“Tinha um homem que se dizia amigo dele. Um dia, quando chegou do trabalho, me pediu para colocar a comida dele e foi buscar um guaraná na rua. Essa foi a última vez que vi meu filho”, relatou Claudijane. Na época, contaram para a manicure que André foi visto pela última vez com esse amigo, identificado como Felipe.
Dias depois, ela recebeu informações que o corpo do filho tinha sido deixado num matagal próximo à Avenida Gal Costa. “Entramos pelo matagal e nada”, recordou Claudijane. “No dia do meu aniversário, um taxista encontrou o corpo dele lá na Baixinha de Santo Antônio. Até hoje não sei explicar a razão do meu filho ter sido morto. O caso nunca foi solucionado. Perdi o ânimo para comemorar o meu dia”, lamentou.
O segundo filho da manicure, Edvandson Miranda dos Santos, também tinha 21 anos, em 2012, quando foi morto em uma troca de tiros durante uma operação policial em Cajazeiras. “Edvandson já tinha ficado preso por dois anos e meio, porque uns amigos tinham chamado ele para dirigir carro roubado. Não adiantou dar conselho, ele acabou preso”, relatou a mãe.
“Em maio de 2012, Edvandson foi solto, começou a trabalhar direitinho, mas em novembro foi morto pela polícia”, registrou, incrédula ainda com as coincidências negativas envolvendo as datas: “Não é possível que quatro dias depois da data de morte de um dos meus filhos, eu esteja chorando a morte de outro”.
Claudijane disse ainda não acreditar no que está acontecendo. “E pensar que quando via aquelas reportagens de mães perdendo os filhos, eu sentia como se a dor fosse minha e pensava que sabia como era o sofrimento. Já nem tenho mais razão para viver”, concluiu a mãe, já sem filhos.
Correio24h
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